Tudo indica que, depois de uma sequência inacreditável de escândalos, a corrupção continua rolando solta nos contratos e compras pelo governo do Rio de Janeiro em plena pandemia do novo coronavírus. O pior é que são quadrilhas ousadas no volume de roubo e na total sonegação de serviços e produtos. Mais uma vez, independente de interesses políticos em seus resultados, as investigações à cargo da Polícia Federal e do Ministério Público têm que ir fundo.
Por mais fumaça e fogo que cause, estimulados pelo estardalhaço da Operação Placebo, também apelidada na cozinha bolsonarista de Covidão, essa investigação não pode virar cortina para encobrir outras apurações. O governador Wilson Witzel tentou se defender atirando no senador Flávio Bolsonaro. Cometeu também um aparente ato falho ao dizer que “nós temos provas” de uma penca de crimes atribuídos ao senador que teria faturado com a famosa rachadinha. Quem tem de ter provas não é o governador, são os investigadores e a Justiça.
Na empolgação por sentir que seu ex-aliado Witzel, hoje seu principal adversário, estava acuado, Flávio Bolsonaro tentou estender esse suposto bom vento para outra delicada investigação. E aí pisou feio na bola. Ele mistura a operação contra o governador do Rio “a narrativa absurda de outro traidor, o lobista Paulo Marinho, a serviço dos governadores Witzel e João Doria”. Flávio avisa que, baseado no que ele diz serem “informações de botequim”, num tempo em que eles estão fechados por causa da pandemia do novo coronavírus, que escândalos também atingirão Paulo Marinho.
Na live publicada em suas redes sociais, Flávio Bolsonaro traz o caso Paulo Marinho à baila quando se refere ao assédio que teria recebido de Wilson Witzel durante a campanha eleitoral em que ambos se elegeram. Disse que Witzel costumava acionar o sumido Fabrício Queiroz, “um cara correto, trabalhador, dando sangue por aquilo que acreditava”. Foi um momento de ternura. Ele deve ter se esquecido do script de que teria sido traído por Queiroz na tal rachadinha que o atormenta e a todo o clã Bolsonaro.
A alegria dos Bolsonaros com a batida da Polícia Federal nos vários endereços públicos e privados da família Witzel já foi exibida pelo presidente a sua claque no Palácio da Alvorada logo de manhã. Todo o clã registrou a operação de maneira efusiva. O mais discreto foi Carlos Bolsonaro que sempre aparenta ter um pé atrás com seu irmão mais velho. Mas não foi o suficiente para reduzir os temores da família.
O que de verdade pega lá é o obscuro mundo de Queiroz. As pistas que Paulo Marinho, herdeiro dos segredos de Gustavo Bebianno, e eventuais provas entregar podem causar um estrago bem maior, por embasar as investigações no STF que tiram o sono do clã. A expectativa de uns e receio de outros é que fortaleçam a narrativa de Sérgio Moro sobre a obsessão do presidente em ter controle pessoal da Polícia Federal no Rio de Janeiro.
Em meio a todo esse imbróglio, os gestos de consideração e respeito de Flávio Bolsonaro para Fabrício Queiroz se justificam além de medo com revelações sobre o escândalo da rachadinha, e a até hoje inexplicável demissões de Queiroz, no Rio, e sua filha Nathalia em Brasília no mesmo 15 de outubro, entre o primeiro e o segundo das eleições de 2018. Há mais coisas a serem esclarecidas.
Há uma enorme interrogação sobre as ligações de Fabrício Queiroz, com o aparente aval do clã Bolsonaro, com as milícias do Rio de Janeiro, em especial com o capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como chefe do temido Escritório do Crime, acusado de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco. Quando o capitão foi morto numa operação da polícia baiana, as circunstâncias de sua morte foram questionadas pelo presidente Bolsonaro e pelo senador Flávio. O que motivou a intervenção de pai e filho, inclusive com supostas provas de tortura, posteriormente desmentidas por perícias técnicas, ainda não foi esclarecido. São muitos fios soltos.
Desatar esse carretel ameaça a democracia?
A conferir.