Na noite dessa terça-feira, o Brasil assistiu com espanto o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em rede nacional de televisão. Ele foi na contramão de tudo que as autoridades da Organização Mundial de Saúde, do seu próprio governo (inclusive o aplaudido Luiz Henrique Mandetta) e de estados e municípios vêm recomendando para abrandar a epidemia do novo coronavírus no Brasil. Mesmo assim, ele não surpreendeu quem acompanha o consenso no mundinho em que orbita o clã Bolsonaro e tem como porta-voz e guru o charlatão Olavo de Carvalho.
Pela ótica dessa turma, Bolsonaro vinha fraquejando nos últimos dias, caindo na mesma armadilha montada pela mídia global contra Donald Trump, e endossando medidas que resultariam no caos da economia e em suicídio político. Aos trancos e barrancos, Trump estaria reagindo ao fixar em 15 de abril a data limite para a vigência das medidas mais restritivas nos Estados Unidos. Eles defendem que Bolsonaro antecipe esse calendário e restrinja, o mais rápido possível, o isolamento no Brasil apenas aos maiores de 60 anos de idade.
Essa turma estava se sentindo aqui meio sem comando. As lives de Bolsonaro, sob pressão de todos os lados, oscilavam. Quando seguia o roteiro familiar ia em uma direção, ouvindo seus auxiliares mudava o rumo. Na noite dessa segunda-feira (23), Olavo de Carvalho participou da live com o tema “As Fronteiras Nacionais e a epidemia chinesa” para por ordem na casa. Me inscrevi para assistir num link no site olavista Brasil Sem Medo, ancorado por Sílvio Grimaldo, braço direito de Olavo, que teve alguns minutos de fama durante a desastrada gestão do colombiano Vélez Rodriguéz no Ministério da Educação.
A manifestação registrável do tal Grimaldo na live foi em defesa dos ataques de Eduardo Bolsonaro à China. Ele repudiou a censura ao deputado e ao ministro Ernesto Araújo no contundente editorial da Rede Bandeirantes. Disse que a Bandeirantes “foi comprada pelo governo chinês” e “faz propaganda do Partido Comunista da China”. Pouco mais disse, exceto endossar teorias da conspiração envolvendo os interesses da China com a disseminação do novo vírus mundo afora. A China seria o epicentro do vírus e do movimento para espalhá-lo mundo afora.
Aí entrou em cena Olavo de Carvalho. Com ar professoral, tipo mestre sabe-tudo, deu uma aula para seus discípulos. Começou minimizando a relevância que eles e o mundo inteiro nessa pandemia estavam dando a China, uma mera peça importante no jogo da Rússia, na “mais vasta manipulação da opinião pública que já aconteceu na história humana”. Passou a explicar, de maneira didática, sua teoria que “até parece coisa de ficção científica”, mas que tudo isso é um desdobramento do que vem rolando durante todo o século passado desde a revolução na Rússia, em 1917.
Em resumo, a ópera olavista diz que toda a conspiração contra o capitalismo desde a Revolução Russa foi gestada pela antiga e temida KGB ( o serviço secreto da extinta União Soviética), com infiltração nos movimentos culturais e na imprensa ocidental, literatura, teatro, Holywood, Broadway… E que hoje ela continua igualmente poderosa com o novo nome de FSB, agora sob o comando de Vladimir Putin. Do pensador Antonio Gramsci ao atual presidente chinês, Xi Jinping, todos seriam instrumentos desse mesmo jogo.
Por estar engajado no combate a pandemia, o YouTube tirou esse vídeo do ar. No Twitter, Eduardo Bolsonaro endossou protesto contra a censura a live de seu guru. Por motivo diverso, também acho que o YouTube errou na mão. Assistir sem filtro ou censura o que faz a cabeça do presidente da República e do seu clã é relevante. Até porque pode parecer natural para quem assistiu a live de Olavo de Carvalho ouvir Jair Bolsonaro (65 anos) dizer, em rede de televisão, que “por meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como disse aquele famoso médico daquela famosa televisão.”.
O que se diz no Palácio do Planalto é que esse pronunciamento teve mais que o dedo de Carlos Bolsonaro. Foi inspirado por ele, a quem desde as eleições o pai considera um mago na comunicação nas redes sociais. Quem acompanha o twitter de Carlos Bolsonaro, pode até achar que o pai presidente pegou leve. “Está cada vez mais clara a má-fé da parte lixo da imprensa na cobertura sobre o coronavírus. O objetivo é fabricar crises para promoverem seus candidatos enquanto o povo que se dane!. Como rótulos, mentiras e facada não funcionaram, restou aos parasitas torcerem para um vírus!”. Eis o Carluxo sem o filtro de uma fala presidencial em rede de televisão.
A exemplo de Donald Trump, que se desespera ao ver uma reeleição por ele tida como certa se desmanchar no ar, Bolsonaro não esconde o receio de que o custo econômico e social da epidemia também comprometa sua reeleição. Aposta tudo ou nada agora. Ganha se o vírus morrer na praia. Perde feio se subir o morro ou chegar nas periferias Brasil afora. Parece não enxergar que, ao se contrapor à alternativa universal de combate a pandemia, se arrisca também a nem chegar lá no comando do país.
A conferir.