O governo da morte

PARIS, FRANÇA – Colhido em meio à tragédia anunciada, o governo brasileiro deu ontem mais uma amostra da sua incapacidade de comandar o país que passa pela mais grave crise sanitária da sua história. Dedicado à tarefa maior que se propôs de emparedamento das instituições nacionais – fechamento do Congresso Nacional e do STF – fez ouvido de mercador quando o coronavírus mostrava na China a sua capacidade de colocar à pique a segurança sanitária, econômica e social do país.

Ignorar, negar, mentir sobre a gravidade da doença foram as atitudes do Presidente da República. Ficarão para sempre as imagens de confraternização do bufão no Palácio do Planalto junto às suas hordas de seguidores. Muitos deles, parte do fascismo nascido dos movimentos de contestação de 2013 e crescida na estufa da crise econômica que explodiu em 2008. Crise, que no Brasil, ganhou musculatura e se misturou à agenda dos setores conservadores.

Repetindo em grau muito maior a crise dos subprimes brotada no epicentro do capitalismo, o mundo se depara hoje com outra crise. Diferentemente da anterior a atual não nasceu de um defaut do mercado financeiro. Todavia para ele se alastra com efeito multiplicador e com potencial para jogar a economia mundial no chão.

Preservar a saúde e a sobrevivência da população é o desafio que se impõe a todos os governos responsáveis do mundo. Para tanto, modelos de abordagem do problema estão sendo testados em diversos países com o uso de ferramentas de estatística epidemiológica. O objetivo é dar aos tomadores de decisão opções de política para enfrentar o coronavírus com a menor perda de vidas humanas possível.

Paralelo à política sanitária, a destruição provocada na economia, no emprego, na renda e nas empresas, impulsiona a adoção de um conjunto outro de medidas na área econômica. Vencer o coronavírus é importante, mas de nada vale a vitória se a morte chegar pela fome, pela miséria, pela inanição.

Neste momento muito dinheiro está sendo despejado em projetos para preservar pequenas, médias e grandes empresas. Do país mais austero da Europa em política fiscal vem o exemplo. A Alemanha está destinando 156 bilhões de euros para preservar a sua economia e não deixar que nenhuma empresa quebre. A cifra é dobro daquela que o país aplicou para relançar a economia após a crise de 2008.

Preservar o emprego, a renda, a vida dos mais pobres, é um objetivo inadiável dos europeus. Ainda ontem o presidente francês fez mostrar à nação que nenhum desabrigado permanecerá ao relento ao abrir as portas de um abrigo.

Mas o que faz o presidente brasileiro? O que ele se propõe a fazer após negar o efeito devastador do coronavírus na sua eterna política de confrontar os adversários e mesmo o trabalho desenvolvido pelo Ministro da Saúde considerando a situação dos trabalhadores do Brasil?

A fome, a miséria, a inanição!!!!

Sim, este é o efeito da Medida Provisória 927 publicada no domingo de forma autocrática. Sem consultar as centrais sindicais, o Presidente da República baixou o ato legislativo permitindo aos empresários suspender o contrato de trabalho dos empregados sem qualquer remuneração.

Para satisfazer seu eleitorado e, sobretudo, os endinheirados que o apoiaram, o presidente esquece-se que a imensa maioria dos trabalhadores brasileiros recebem até 3 salários mínimos. Uma imensa quantidade de pessoas que mal dispõe de poupança para suportar as contas de água, luz, aluguel e custear alimentação por um mês.

Da Medida Provisória não consta nada para a proteção do trabalhador. Nada que possa garantir a sua subsistência para a travessia deste momento trágico da vida brasileira. De fato, o governo já tinha demonstrado sua repulsa ao valor do trabalho quando patrocinou o desmonte da legislação trabalhista. Mas assusta valer-se dos tempos de calamidade pública para patrocinar tamanha covardia contra o povo pobre.

A reação não tardou. E ela veio de vários setores. Do Congresso Nacional, do STF, dos sindicatos, da sociedade civil. Não demorou e o governo voltou atrás, mas permanecem na Medida Provisória uma série de outros dispositivos odiosos, nocivos ao conjunto dos trabalhadores e mesmo aos profissionais de saúde – sempre vitais.

A OIT tem alertado que a crise provocada pela eclosão do coronavírus afetará a todos. Mas ela ressalta que particularmente certos grupos serão mais afetados, com aumento da pobreza, da miséria e da desigualdade. Estes grupos incluem os jovens, as mulheres e todos aqueles que se acham socialmente desprotegidos.

O Brasil tem 38,5 milhões de trabalhadores na informalidade. Sem carteira de trabalho estas pessoas vivem de bicos nos sinaleiros, da venda de produtos nas ruas, nos mercados, da entrega de alimentos e outras mercadorias mediante o uso de aplicativos. É preciso pensar em um programa para eles, e o Congresso e a sociedade precisam estar vigilantes. Cobrar medidas é urgente.

Em momentos de crise como o atual, é necessário que o estado adote políticas públicas que contemplem todos os setores da sociedade. Mais do que nunca é preciso construir o diálogo com todos os seguimentos, com os patrões, os empregados, os marginalizados, os despossuídos. Mas é preciso também que o governo se guie pela Constituição Federal e pelo respeito ao princípio de proteção à dignidade da pessoa humana.

Sem a proteção de todos, o país dificilmente sairá da crise. E as saídas existem. Basta copiar o bom exemplo dos países da Europa, que em tempos assim abandonam a austeridade fiscal. É necessário olhar também para as nossas próprias experiências bem-sucedidas que em tempos recentes foram fundamentais no combate à fome e à miséria.

O momento é terrivelmente grave e a nossa geração não viu nada igual. Os estragos e a tensão provocados pela doença estão por toda a parte na Europa. Hospitais lotados, leitos e material para testes da doença insuficientes. É crescente o número de profissionais da saúde doentes e os que morrem. Vidas perdidas por toda parte, economia e emprego ameaçados. Medo. Muito medo.

A velha Europa segue, porém, na sua luta. Seus governos – diferentes ideologicamente um dos outros – têm como certo que no campo de batalha há apenas um inimigo a ser derrotado: o vírus.

No Brasil, o governo segue seu modelo próprio. Não sabe se combate o vírus ou se destrói o seu próprio povo.

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