Nesse domingo (19), em que se convencionou comemorar o Dia do Exército, Jair Bolsonaro e um punhado de fanáticos seus seguidores escolheram um lugar repleto de símbolos para profanar a todos eles. Subiu em uma caminhonete militar para endossar palavras de ordem golpistas ao lado do obelisco e quase embaixo da concha elíptica concebidos por Oscar Niemeyer, no auge da ditadura militar, para homenagear Duque de Caxias. Deveria servir como uma inspiração do patrono do Exército, símbolo histórico do legalismo, para o bem e para o mal.
À frente desse palanque improvisado, após a pista de desfiles militar ocupada pelos manifestantes, a Praça dos Cristais, uma belíssima obra paisagística criada por Burle Marx e seu assistente Haruyoshi Ono. O cristal é um mineral que também aflora em Cristalina e é vista por várias correntes místicas como um potente protetor do mal. Melhora a energia dos ambientes.
Estar entre esses dois símbolos nada significa para Bolsonaro. Ele e seus seguidores foram até ali fazer um pedido para o que estava atrás da concha de Niemeyer, o Quartel-General do Exército, também conhecido como Forte Apache, onde despacha o comando do Exército. Pelo que dizem oficiais graduados que lá trabalham ali não há o menor interesse em ressuscitar o passado. Dali, basta atravessar uma rua para chegar onde o PIC fez história com prisões arbitrárias e torturas.
Diante de tantos símbolos dos bem e do mal, ao endossar o pedido de intervenção dos militares, com apoio expresso a manifestantes, que tinham como principais palavras de ordem o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, Jair Bolsonaro rompeu a linha da legalidade. Tornou-se de vez um problema para todos os poderes republicanos.
O Bolsonaro que despacha com seus generais no Planalto, mesmo aos trancos e barrancos, é ali mais ou menos contido. Mas o que sai para a rua, após convívio familiar, perde as estribeiras. Nesse domingo, o presidente tomou café da manhã com os filhos Flávio, Carlos e Eduardo na casa do caçula deputado federal. Como sempre, saiu de lá turbinado. E pôs pilha em seus seguidores que desfilaram em carreatas durante o dia inteiro pela Esplanada dos Ministérios, com um carro de som repetindo a exaustão o hino ufanista “Pra Frente, Brasil”, de Miguel Gustavo. Uma música que, pegando carona na brilhante seleção brasileira de futebol de 1970, foi explorada pela ditadura militar para tentar dourar a pílula em seus momentos mais tenebrosos.
O mais grave é que Bolsonaro, a exemplo do que faz ao sistematicamente desrespeitar as recomendações das autoridades sanitárias do Brasil e do mundo afora, parece não ter noção do estrago de suas atitudes. Diagnosticar se esse comportamento é maluquice, psicopatia ou mero jogo de cena passou a integrar o debate nacional em plena pandemia do novo coronavírus. Até sua tosse na fala aos golpistas bomba nas redes sociais.
No mundinho que o inspira na intimidade, é levado a sério o charlatão Olavo de Carvalho, que reclama de que “os generais estão fazendo cu doce para prenderem governadores”, fecharem o Supremo e o Congresso. A avaliação deles é que, sob a pressão liderada por eles, as instituições têm medo de reagir. Por isso, cada vez ousam mais. Se acham invencíveis.
Vivem a mesma ilusão de outros que estiveram no poder, cavaram a própria sepultura política, e nelas foram enterrados. O Covid-19 ainda não tem cura. Mas a Constituição tem bons e eficazes remédios para os que atentam contra ela.
A conferir.