A história às vezes escreve por linhas tortas ideias tortas. Há dois anos, quando a Lava Jato saiu de controle, ousou focar em alvos até então inatingíveis, pondo em risco empresários e políticos do andar de cima, caciques de todos os naipes resolveram pôr ordem na casa.
Com o aval de Lula e Sarney, Renan, Delcídio, Jucá, Jader e Lobão, entre outros, foram à luta. Contavam com o apoio no bastidor desses bastidores de Aécio Neves. Mesmo sendo adversários, eles tinham o mesmo objetivo.
Essa mega trupe montou um plano para barrar a Lava Jato. Fizeram várias investidas. Pelo que alguns deles me disseram naquela época, só não deu certo porque Dilma Rousseff, a quem caberia pôr o plano em ação, amarelou. Ou, como me disseram depois outras pessoas que participaram de seu governo, ela não topou.
O fato é que sem as canetadas de Dilma a conspiração para que a Lava Jato parasse no meio do caminho fracassou. Se, como alguns ainda me dizem, a ficha de Dilma caiu tarde demais. Quando ela finalmente teria reagido, com nomeações na Justiça e no governo, o bonde já havia passado.
Mas isso não tem a menor importância. A relevância de Dilma nessa encrenca é pelo que ela não fez. Por convicção, medo, insegurança, não topou dar uma rasteira escancarada na Justiça, Ministério Público e Polícia Federal.
Isso é um fato. O outro é que Dilma tem suas contas a acertar com a Justiça. Ainda não se sabe em que dimensão. O indiscutível é que grana de corrupção bancou sua eleição e reeleição, como comprovou o cristalino voto do ministro Herman Benjamin.
Pois bem. Dois anos depois, com um impeachment pelo caminho, a turma de Michel Temer resolveu executar o plano que se Dilma tivesse executado talvez estivesse até hoje no poder.
Vamos compará-los ponto a ponto.
1 – Lula, Sarney, Renan e toda a turma pediam a demissão de José Eduardo Cardoso e a nomeação de um ministro da Justiça com disposição de enquadrar a Polícia Federal e peitar o ministério público.
O que se diz nas hostes palacianas é que Torquato Jardim tem esse perfil.
2 – Escolher para o comando da Polícia Federal um delegado afinado com o ministro da Justiça que saiba comandar a corporação.
O modelo sonhado não existe mais: a parceria de Márcio Thomaz Bastos com Paulo Lacerda. Mesmo assim, o Planalto busca um nome mais palatável para substituir Leandro Daiello na chefia da PF.
3 – Não atender a indicação informal em lista tríplice dos procuradores da República sobre a designação de seu chefe. Desde o primeiro mandato de Lula esse processo virou critério. Quem ganha entre os colegas, leva.
O critério correu risco nas duas gestões de Dilma. Na primeira, ela queria indicar uma mulher. Foi convencida a escolher o mais votado na lista tríplice. Na recondução de Rodrigo Janot, em plena Lava Jato, decidiu sobre influência da banda do ministério público ligada ao PT, Eugênio Aragão à frente.
Opção que, depois, virou remorso. Hoje não existe mais esse dilema. Se sobreviver até setembro, Michel Temer já decidiu não seguir lista alguma. A ideia, como Helena Chagas escreveu aqui, é nomear um novo Geraldo Brindeiro, consagrado como engavetador-geral da República.
Parece esperteza, mas pode ser mais um tiro no pé. Na lista de apostas de possíveis indicados por Temer os favoritos são os sub-procuradores da República Eitel Santiago e Rachel Dodge, que estão disputando com outros seis candidatos os votos dos colegas.
No jogo interno entre os procuradores, ambos são oposição a Janot. A escolha de um deles tem sido vista como uma ameaça a Lava Jato. Mas quem os conhece e tem um mínimo de compreensão do que é o ministério público não aposta sequer um centavo de que vão fazer o jogo para barrar a Lava Jato.
4 – Estimular a briga pelo protagonismo entre Polícia Federal e Ministério Público.
Os casos são diferentes, mas seguem a mesma motivação. Por exemplo, se a Polícia Federal pode ou não fechar um acordo de delação premiada. O Planalto vê uma oportunidade nessa briga. Resolveu dar uma mãozinha para os federais nessa disputa com os procuradores. Mais uma vez, a decisão sobrou para o STF.
Nesse jogo, um ministro que participa do bunker de Temer me disse que o governo está assustado com as ações do Ministério Público para escantear a Polícia Federal. Deu exemplos. Um deles é a investigação sobre o procurador da República Ângelo Goulart Villela.
Ângelo está preso na Papuda, acusado de vazar para os empresários informações de investigações sobre as falcatruas dos donos da Friboi. Todos os lados o consideram um fio desencapado.
O ministério público tirou a PF da investigação.
O governo acha isso estranho. Atribui aos rumores de que Ângelo teria gravado colegas, em conversas que poderiam mostrar uma parceria indevida entre investigadores e os donos da Friboi.
É mais uma peça da teoria da conspiração, vendida pelo governo. Os procuradores não a levam a sério. Explicam que, a exemplo dos juízes, a Lei Orgânica do Ministério Público determina que procuradores devem ser investigados por procuradores.
Isso até poderia ser um problema.
Mas quem acha que os procuradores indicados por Rodrigo Janot para investigar Ângelo Villela vão pegar leve está profundamente enganado. A turma escalada, pela experiência, competência e rigor comprovados em outros casos, vai fundo nessa apuração. Eles têm consciência do que está em jogo.
O papel que a Constituinte atribuiu ao Ministério Público, ao lhe dar poder e instrumentos para assegurar o acesso de todo e qualquer segmento da sociedade ao aparelho estatal, ainda é uma revolução em curso.
Esse horizonte me parece maior que os múltiplos tombos nesse percurso.
A conferir.