Animais, como cobras, muitas vezes trocam de pele e saem novinhos do processo. Com políticos, é bem mais difícil. A última rodada do Datafolha confirma o que levantamentos anteriores começavam a apontar: Jair Bolsonaro vai perdendo apoio entre os ricos e mais instruídos, que na maioria lhe deram seus votos no segundo turno de 2018, e ganhando entre os mais pobres, sobretudo mulheres – segmento que mais o rejeitava – por conta do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600. Um processo de metamorfose eleitoral perigoso.
Antes de tudo, porque a perda junto aos ricos que votaram nele parece irreversível. Os índices recordes de apoio à democracia (75%), contra a propagação de fake news sobre políticos e ministros do STF (81%) e de rejeição a manifestações de rua contra outros poderes (68%) relegam o discurso autoritário bolsonarista à minoria das minorias. Dificilmente esse público retornará, e os cruzamentos do Datafolha mostram que, entre os 32% que ainda mantém opinião de que o governo é bom ou ótimo, os mais radicais defensores do presidente que apóiam as práticas antidemocráticas e os feitos da ditadura militar são apenas 15%. Este seria o núcleo duro de Bolsonaro, os que estão com ele para o que der e vier.
Pelos cálculos do Datafolha, explicados em artigo dos diretores do instituto, Mauro Paulino e Alessandro Janoni, se dependesse apenas dos que votaram nele, Bolsonaro teria hoje cerca de 23% de avaliação positiva. Os restantes nove pontos percentuais de bom e ótimo estão vindo de um público novo, os beneficiários do auxílio emergencial – que não lhe deram seus votos em 2018.
O que isso quer dizer? Antes de tudo, que as oscilações mínimas na aprovação presidencial podem estar, como dizem Paulino e Janoni, “camuflando” a tendência de perda de apoio em grupos minoritários mas influentes, como os mais ricos e instruídos, com potencial de estrago maior para o presidente no futuro.
Quanto ao apoio dos mais necessitados, trata-se de uma tendência que, para ser mantida, depende de uma série de fatores, alguns deles fora do alcance de Bolsonaro. Ele pode até, como parece estar fazendo, trabalhar para manter o benefício por mais tempo. Mas a permanência do valor de R$ 600 para sempre está fora de todas as cogitações, pois não há dinheiro.
A tentativa de fazer mudanças no Bolsa Família para tentar compensar o fim do benefício é uma jogada arriscada. Além de o valor ser bem menor, o governo, com suas dificuldades de gestão no setor social, corre o risco de desmantelar um programa internacionalmente reconhecido e não conseguir colocar nada consistente no lugar, com reflexos imediatos em sua popularidade.
Isso sem contar a tendência de deterioração ainda maior do quadro geral no pós-pandemia, com aumento do desemprego e piora nos indicadores sociais. É de se prever, portanto, uma debandada dos neobolsonaristas, sem o retorno dos velhos aliados – o pior dos mundos para Bolsonaro.