Quem pariu Mateus, que o embale! O senso comum nos ensina sábias e milenares lições.
Foi o que me ocorreu quando reparei que nos últimos dias, desde que Fabrício Queiroz aterrissou – conforme a interessante hipótese da jornalista Andréa Sadi – na residência/escritório de Frederick Wassef, em Atibaia, São Paulo, um grande silêncio instalou-se nos altos poderes de República. Nada mais sintomático disso do que a mudez de Augusto Heleno, isto depois de ter comemorado ruidosamente, dia 15, seus 1 milhão de seguidores no Twitter. Ainda que sem especificar se de carne e osso, ou se incorpóreos.
De súbito, foi como se Jair Messias Bolsonaro, o Mateus desta fábula, tivesse sido abandonado à orfandade, mesmo depois da viagem de seus três Reis Magos – André, Jorge e Levi –a São Paulo, capital, levando ouro, incenso e mirra para o ministro Alexandre de Moraes, e de lá voltado animados, assegurando a Jair Messias que seu Verbo não seria tolhido pelo severo magistrado.
De nada teria adiantado, porém, conforme relatos jornalísticos o otimismo dos ministros da Justiça, da Secretaria Geral da Presidência, e do Advogado Geral da União, os enviados ao inusitado encontro com o ministro do Supremo Tribunal Federal. A prisão de Fabrício Queiroz emudeceu, além de Jair Bolsonaro, seus filhos Eduardo e Carlos, usualmente tão loquazes, restando Flávio, o único a falar, tentando, como vem fazendo desde o início do governo do pai, justificar seu injustificável sucesso de empresários dos ramos imobiliários e de chocolates finos.
A bem da verdade, dos generais do Planalto, houve um a falar: o vice-presidente Hamilton Mourão, que ontem revelou ter Fabrício Queiroz sido seu motorista em 1987, “quando ele servia às Forças Armadas no Oitavo Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista”. E acrescentou ao Valor Econômico que só teria voltado a encontrar Queiroz em 2018, durante a campanha presidencial, ocasião em que o ex-policial militar acompanhou Jair Bolsonaro a uma reunião, da qual participou também o então deputado estadual, Flávio Bolsonaro.
Ainda a bem da verdade, Augusto Heleno também falou nos últimos dias, mas, por ofício, à Polícia Federal, negando que Jair Bolsonaro tivesse tido dificuldades para efetuar trocas na sua segurança pessoal, que fica ao encargo da ABIN, como o próprio Palácio do Planalto tentou fazer parecer – principalmente no depoimento a própria PF pelo secretário de Governo, Luís Eduardo Ramos -, após a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último. Esse depoimento de Heleno, tornado público agora, aperta mais o cerco político sobre o presidente da República, às vésperas do seu próprio depoimento, a ser colhido igualmente por escrito, no âmbito do inquérito solicitado pela Procuradoria Geral da República para apurar possíveis tentativas de interferência de Bolsonaro na PF, conforme denúncias de Sérgio Moro.
Assim, quase que de forma combinada, poder-se-ia dizer, Hamilton Mourão e Augusto Heleno traçaram seus limites de solidariedade a um Jair Bolsonaro cada vez menos Messias e cada vez mais Mateus, aquele que daqui a pouco poderá não mais encontrar quem o embale. Resta saber o que acontecerá se o destino de Bolsonaro for mesmo o de ser, e que me seja perdoado o trocadilho infame, embalado para balanço ao final do inquérito relatado por Celso de Mello. Porque, em isto acontecendo, e nas atuais circunstâncias, com Fabrício Queiroz preso e sua mulher foragida, esperar que o Centrão de Arthur Lira e Gilberto Kassab acompanhe Bolsonaro ao patíbulo de um julgamento pelo STF equivaleria a acreditar que o enrolado Abraham Weintraub vai mesmo assumir uma diretoria do Banco Mundial.
Imaginando que isto possa mesmo acontecer, será interessante ver como Hamilton Mourão, a quarta opção de Jair Bolsonaro para a vice-presidência em 2018, e Augusto Heleno, a primeira, conviverão no mesmo andar do Poder, já que hoje o vice-presidente está confinado em seu modesto gabinete, no Anexo II do Palácio do Planalto, Ala B. Mas, como já se faz tarde, e como a história da frustração de Heleno foi contada em detalhes, e muito melhor do que eu jamais conseguiria, por Thaís Oyama, recomendo fortemente a leitura de seu excelente livro, Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos.
*Professor Emérito
Faculdade de Comunicação
Universidade de Brasília (UnB)