“É que Narciso acha feio o que não é espelho”,
Caetano Veloso
Nós, brasileiros, somos um povo estranho. Temos uma autoestima elevada, achamos que somos criativos, trabalhadores, um povo amável, miscigenado, cheio de boas intenções. Ah, e se nada dá certo a culpa é dos políticos, do governo, de qualquer um.
Daí o título do artigo. Alguém se lembra do romance “O retrato de Dorian Gray”? É do escritor Oscar Wilde e foi muito popular no passado.
Enquanto o retrato envelhece e fica feio com os atos obscenos e sem escrúpulos do seu autor, o personagem retratado se mantêm sempre jovem e belo. Nós, brasileiros, somos o oposto disso.
Somos, enquanto nação, um povo mesquinho, interesseiro, cheio de malandragem, de pequenos expedientes para fugir da lei, dando jeitinhos aqui e ali, mal-educados, preconceituosos, racistas e, por aí vai.
Mas olhamos no espelho e nos achamos lindos. Por quê? Nem Freud explica, acredito.
Nós fugimos da realidade. Vemos o que gostaríamos de ver. E sempre achamos um culpado para os nossos desatinos. O governo deveria ajudar os mais pobres – isso é com o governo, não comigo ou com você.
Se não fosse a corrupção teríamos dinheiro para áreas essenciais como saúde, educação e segurança. Se taxássemos as grandes fortunas teríamos mais recursos. Se cobrássemos dos devedores poderíamos ter impostos mais baixos. Se os bancos não lucrassem tanto… Se, se, se….
Esquecemos, enquanto sociedade, do mais importante. O governo nos representa. Quem, se não nós, o colocamos lá?
Nós votamos para prefeitos, governadores, deputados, senadores, presidente da República. Somos agentes ativos nessa ação de indicar nossos representantes. E mesmo quem não se dá ao trabalho de ir votar ou vota em branco ou anula seu voto está agindo. Somos responsáveis por isso.
Mas adoramos um salvador da pátria. O pai de todos, a mãe dos pobres. Não é de hoje que um caudilho faz tanto sucesso entre nós. Que o digam os saudosos do getulismo, só para ficar na figura distante de Getúlio Vargas, que ao se suicidar entrou para a História. Queremos ter no governo essa figura do pai protetor, que cuida de tudo e de todos, nos afaga e nos castiga, tirando de nós a responsabilidade de pensar e agir enquanto sociedade.
Vamos aos mitos. Somos um povo amável, cordial? Depende. Tratamos bem os estrangeiros? Sim, se eles forem brancos, cultos e, preferencialmente, ricos. Tratamos como escravos os paraguaios, bolivianos e outros sul-americanos que, com poucas exceções, classificamos como “cucarachas” (baratas).
Não temos preconceito? Temos sim e muito. Não gostamos de pobres, negros. Apenas os toleramos. Ou vocês não conhecem lugares onde trabalhadores pobres e negros nunca são admitidos pela porta da frente?
Estou convencida de que o governo Bolsonaro pode acabar sendo uma oportunidade única para nós nos enxergarmos como realmente somos e termos a oportunidade de mudar. O presidente não criou as nossas mazelas; ele apenas destampou a panela e o que antes era mantido escondido por não ser politicamente correto, veio à tona.
Apoiamos a Lava Jato, não? Mas o que fazemos quando a corrupção é menor? Aquela do parente que trabalhou na campanha de algum político, ganhou um emprego na prefeitura e só aparece lá para pegar o salário? Esperto ele, não? E aquele jeitinho malandro, de dar nó em pingo d’água, tão cantado em verso e prosa na nossa cultura… Admiramos ou não?
Como diria o professor e ex-senador Cristovam Buarque, a saída está na educação Ela levará tempo e custará investimentos vultosos nas próximas décadas, mas valerá a pena.
Uma mudança cultural não se faz de repente. Mas podemos começar já ensinando o que é certo e errado, dando exemplo de solidariedade e compaixão nesses tempos sombrios de coronavírus.
E que tal começar uma conversa com por favor, dar bom-dia, boa-tarde ou boa-noite para as pessoas que convivem conosco no nosso dia a dia, desde familiares, colegas de trabalho, atendentes, etc.? E não se esquecer nunca do muito, muito obrigado.
* Vânia Cristino é jornalista