Seria talvez uma boa atitude, uma atitude tranquilizadora, se o presidente Jair Bolsonaro, além da sua palavra, tornasse disponíveis os três exames que fez que testam negativo para o coronavírus. Infelizmente, os movimentos erráticos do presidente nos últimos dias tornaram relativo o crédito às suas palavras. Infelizmente. Mas é o próprio presidente o responsável por isso.
A mais de um interlocutor, por exemplo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse desconfiar que possa ter contraído o vírus dos seus contatos com Bolsonaro, embora o presidente afirme não estar contaminado. É verdade, Alcolumbre reconhece, que esteve com outras pessoas contaminadas. Caso do senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Mas ele comenta que esteve com Trad somente na reunião de líderes. E o cumprimentou de longe. Com Bolsonaro, ele esteve mais de uma vez nos últimos dias em salas fechadas.
Além disso, nada menos que 18 pessoas que estiveram com o presidente na comitiva que viajou para os Estados Unidos está contaminada. O prefeito de Miami, Francis Suarez, que recebeu a comitiva, também está com o novo coronavírus. O número atualizado de ontem à noite falava de 84 contaminados no Distrito Federal. Ou seja, o número de pessoas infectadas que estavam no mesmo avião que o presidente é muito alto.
As entrevistas de Bolsonaro e de sua equipe na quarta-feira (18) mostram uma clara mudança de atitude do presidente com relação à forma como ele encarava a pandemia. Como escrevemos na edição de ontem do Jornal de Brasília, caiu a ficha do capitão. Depois de ter no mesmo dia a notícia de dois de seus ministros contaminados, inclusive o que talvez lhe seja mais próximo, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, Bolsonaro parece ter parado de acreditar que o coronavírus era um exagero de motivação política disposto a desestabilizar o seu governo.
A verdade é que esse não foi simplesmente um processo de autoconvencimento de Bolsonaro. Durante os últimos dias, líderes políticos fizeram chegar ao presidente duros recados. Possibilidades de intervenção em graus diversos foram pauta de diversas conversas e reuniões no Congresso e em outras instituições. De alguma forma, ou Bolsonaro vinha para o desafio de conter o coronavírus ou esse desafio começaria a ser feito sem ele, à sua revelia.
Nos últimos dias, cenários foram discutidos. Se ele testasse positivo para o coronavírus, teria de ser afastado por motivos de saúde. O vice-presidente, Hamilton Mourão, assumiria e, aí, nas conversas dos líderes políticos, avaliou-se que ele poderia, nesse caso, fazer mudanças no governo limpando o núcleo ideológico, ligado a Olavo de Carvalho. No caso negativo, como seu deu, falou-se em possibilidades de interdição. O impeachment foi considerado, embora seja uma hipótese mais complicada: tem um processo longo e seria necessária uma solução rápida.
Chegou-se a discutir na cúpula do Congresso a ideia de aprovação de uma emenda parlamentarista, algo semelhante à solução que se tentou na crise do governo João Goulart antes do golpe militar de 1964.
Bolsonaro teve conhecimento de como se desenvolviam essas conversas. Por isso é que no início da semana chegou a reagir dizendo que não aceitaria esse tipo de afastamento das suas funções, o que seria um golpe institucional contra ele.
O problema para Bolsonaro é que o curso dos acontecimentos esta semana começou a mostrar que ele não teria o apoio que esperava caso seguisse na mesma linha. Nas redes sociais, alguns dos seus apoiadores mais fieis mandaram recados no sentido de alertá-lo que estava no caminho errado.
Um desses recados que bateu de forma contundente foi o do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan. Monitoramento nas redes começaram a mostrar perda de apoio mesmo nos núcleos bolsonaristas mais fieis. Os panelaços de terça e quarta-feira deram o recado final.
Bolsonaro parece ter entendido. Se não mudasse de postura, o mundo político trataria de seguir na solução da crise sem ele.
De uma forma ou de outra.