O apagão de Bolsonaro

O avanço da epidemia do novo cloronavírus atropela, entre muitas outras coisas, sonhos, fantasias e delírios do clã Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro deixa o Salão Oeste do Palácio do Planalto, após entrevista sobre a pandemia do Covi1d9 - Foto Orlando Brito

Mesmo a contragosto, e aos trancos e barrancos, o presidente Jair Bolsonaro parecia dar passos atrás na defesa da maluca tese de que a pandemia do novo coronavírus era uma “fantasia” propagada pela imprensa do mundo inteiro. Dava a impressão de ter se livrado dos múltiplos vírus adquiridos na viagem a Miami. Teve todos os motivos para isso.

Até o deslumbre com o jantar no resort de Donald Trump, quando compartilhou preconceitos e comprou versões de ocasião do anfitrião, deveria ter durado pouco. Mais antenado com pesquisas instantâneas, Trump logo caiu na real. Deu um cavalo de pau no que pregou no jantar e propagava em seus tuítes e passou a correr atrás do prejuízo do erro de avaliação que pode ter lhe custado a reeleição. O vírus “chinês” virou um tsunami mundial.

Em suas entrevistas lá e aqui, a ficha de Bolsonaro  continua girando como disco emperrado em 78 rotações. Pegou carona na justa insatisfação popular com todos os poderes da República, tentou dar gás a uma manifestação chapa branca contra o Congresso e o Judiciário. Não colou, como até agora não vinha colando protestos contra o seu governo. Seguiu cometendo erros. Bateu e insistiu na tecla que, por causa da imprensa, o vírus virou uma “histeria”.

Mesmo com a pressão familiar, ele pareceu recuar. Na entrevista à imprensa na quarta-feira, acompanhado por seus principais ministros, o presidente Jair Bolsonaro finalmente disse reconhecer a gravidade da epidemia e apoiar a atuação de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, uma unanimidade nessa crise. Por suas contradições sobre a epidemia, ele deixou dúvidas no ar. Algumas sérias, como o repeteco sobre a “histeria”. O show de imagens dele pondo e tirando máscaras virou um retrato universal dessa interrogação.

Olavo de Carvalho

O fato é que ajudado pela boa vontade geral essa manifestação presidencial baixou a febre em Brasília. Mas pegou mal em sua base mais fanática. Olavo de Carvalho e trupe entenderam como rendição. Pior: parece ter chegado tarde para apoiadores relevantes empenhados em salvar suas vidas e as de seus pais e avós. Os panelaços em redutos tidos como bolsonaristas nas principais capitais foram, no mínimo, uma advertência. Pode ter sido uma quebra de cristal.

Poucos a entenderam no universo Bolsonaro. Foi até recebida com  desdém, arrogância típica de poderosos de ocasião. Quem conhece Brasília desde os seus primórdios já viu esse filme várias vezes. O protagonista de agora, Eduardo Bolsonaro, mais um filho bajulado,  parece um dos tantos outros playboys que, por causa dos pais,  aqui em Brasília viveram seus 15 minutos de fama. Infeliz com insucesso de sua turma na encenação de que o vírus era uma fraude, optou pela versão de que o vírus é uma invenção chinesa. Ou da omissão chinesa.

Todo governo nasce, tem quedas e altas, mas algum dia acaba. No parlamentarismo, há mecanismos para antecipar o final que em geral funcionam. Às vezes, até prolongam o impasse como ocorre em Israel. No nosso atual presidencialismo, há exemplos de todos os tipos. Antes da retomada da democracia, o longo governo de seis anos do general João Figueiredo, que começou em 1979, politicamente acabou com sua omissão no atentado do RioCentro, dois anos depois. A agonia posterior o país aguentou até a volta da democracia, em 1985.

Fernando Henrique. Sarney. – Foto Orlando Brito

Assumiu José Sarney. Em 1986, sua popularidade ajudou ao melhor desempenho eleitoral de um partido (o então PMDB) em uma eleição democrática em todos os tempos. Meses depois da eleição, ao editar o chamado Plano Cruzado 2, seu governo desmanchou na população. Sobreviveu até o fim pela capacidade de articulação política. Fernando Colllor que o sucedeu, caiu ao perder o encanto popular ao trair o que prometeu na campanha: respeito ao dinheiro público e privado. Fernando Henrique tropeçou na crise do câmbio em 1999, mas ganhou um carimbo publico negativo com o apagão da energia em 2001.

Dilma. Lula. – Foto Orlando Brito

Lula sobreviveu ao Mensalão e pagou eleitoralmente, mesmo sem disputar, pela Lava Jaro em 2018. Antes, sua cria Dilma Rousseff havia conquistado a reeleição em 2014 vendendo um ilusão que mal se sustentou durante algum tempo após a sua posse.

O que tenho ouvido de gente que considero entender do riscado é que, a exemplo de outros governantes surpreendidos com reviravoltas na maré popular, dessa a vez será Bolsonaro. Por essa avaliação, o reiterado descaso pessoal de Bolsonaro com a epidemia com o coronavírus, apesar da boa atuação do governo, já é o seu apagão.

A conferir.

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