Num novo lance espantoso, o Supremo Tribunal Federal (STF) avança para fragilizar a já desgastada imagem da principal corte de justiça do País. Mais do que preocupante, isto é arriscado.
Desta vez, o ministro Dias Toffoli decidiu que o STF terá acesso a dados de 6 mil contribuintes. Além disso, obteve dados sobre investigações do antigo Coaf, órgão fundamental para o sucesso da Operação Lava-Jato. O gesto foi comparado a uma “devassa” por procuradores da república e operadores do direito.
Em 2017, gravei um vídeo (que pode ser visto aqui) com uma crítica ao STF. Lamentavelmente, o Tribunal segue cavando a própria desmoralização. Diante do que se vê em países como o Chile e a Bolívia, algo bastante temerário.
Que país é este?
Não que a interpretação das leis deva se submeter ao veredito popular. Mas a opinião das pessoas não pode ser desprezada, sob o risco de sedimentar a sensação de que vivemos num País injusto.
Junto à descrença nos políticos, já bastante enraizada, a corte segue fomentando um caldeirão de descontentamento. No caso do STF, porém, com um agravante.
Enquanto os políticos são frutos de nossas escolhas – portanto, temos parcela decisiva de responsabilidade -, nada há o que fazer em relação aos integrantes da Corte Máxima. Lá estão, e lá ficarão até completarem 75 anos.
Seus integrantes brigam muito, mas trabalham pouco. São useiros em deixar prescrever crimes perpetrados por suspeitos de corrupção, mas rigorosos com a operação Lava-Jato – que, pela primeira vez na história, colocou gente ricas na cadeia.
São rápidos em libertar poderosos, mas lentos com os processos dos cidadãos comuns. São cada vez mais atrevidos em criar leis usurpando poder exclusivo do Legislativo, mas lenientes com o dinheiro do contribuinte ao assegurar às corporações de servidores regalias insustentáveis.
São ousados ao censurar a imprensa e criar inquéritos ilegais, mas atenciosos com os poucos que conseguem bancar um advogado caro. São inconsequentes ao proteger governadores perdulários, mas céleres em conceder habeas corpus a suspeitos de roubarem o Estado.
Alguns chamam isto de independência. Esquecem que este modus operandi favorece uma minoria de larápios abonados que pode pagar onerosos escritórios de advocacia.
Quando a justiça só vale para alguns, ela passa a ser injustiça.
Ataque à Lava-Jato
Impulsionado pelas revelações do The Intercept Brasil, o STF promove um ataque à Lava-Jato. A “devassa” agora revelada não foi o primeiro ato estapafúrdio.
Primeiro, paralisou as investigações que dependem de dados da UIF, o antigo Coaf. Em seguida, anulou condenações.
Na sequência, o STF eliminou uma conquista. Decidiu que a sentença de juízes da primeira e segunda instâncias é insuficiente para prender um réu.
Com isto, a Corte ignorou as vítimas dos condenados em segunda instância, que não serão reparadas. Já quem tem muito dinheiro, está sendo solto.
Como uma corte política, os 6 magistrados que assim decidiram se esconderam atrás de premissas inconsistentes.
Numa delas, garantem que a decisão não é pessoal. Ora, a libertação de corruptos, como o ex-presidente Lula, era consequência óbvia.
De acordo com a outra premissa, o Supremo age para estabelecer jurisprudência. Na verdade, o julgamento teve um forte viés revanchista contra o Ministério Público.
Sim, alguns procuradores se excederam. Mas isto não altera o fato de que a Lava-Jato não inventou nada. A roubalheira, os bilhões de reais devolvidos ao erário, a confissão dos delatores e as provas recolhidas são incontestáveis.
Ou seja, por duvidosas interpretações, inexistentes em outras democracias, a crença de que a justiça é cega foi estiolada.
Me dê o motivo
Diante disto, proponho duas perguntas.
Se sabiam que, ao libertar criminosos de colarinho branco, estilhaçariam o postulado da igualdade de todos perante a lei e se arriscariam a provocar uma revolta popular, por que os juízes do STF marcham na direção da impunidade?
E aqui, imbricada com a primeira pergunta, surge a segunda. De acordo com a Constituição, cabe exclusivamente aos senadores “processar e julgar” os ministros do STF.
Apesar das tentativas dum grupo de uns 20 senadores, que pleiteiam a CPI da Lava-Toga, a maioria do Senado sequer cogita averiguar os pedidos para processar alguns ministros. Por que o Senado não investiga as denúncias contra ministros do STF?
Um dos aspectos das investigações bem-sucedidas consiste em fazer as perguntas certas. Se descobrirmos a motivação de uns (STF) e a falta dela em outros (Senado) encontraremos as respostas ao que, lamentavelmente, se configura como um golpe nada casual na justiça brasileira.
* Mateus Bandeira foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul, secretário de Planejamento do RS e candidato ao governo gaúcho