Quando se elegeu pela primeira vez presidente da República, em 2002, Lula cativara uma parcela da população e alimentara a desconfiança de um número igualmente expressivo de brasileiros. Como Bolsonaro, em 2018.
Logo depois de eleito, Lula tratou de angariar apoio político. Bolsonaro ainda não se preocupou com isto.
Hábil, Lula rapidamente arrebanhou apoio consistente no Parlamento. Garantiu com isto os votos para aprovar projetos cruciais. Sem base, Bolsonaro não aprovou nada de relevante, sofreu reveses e já perdeu capital político.
Lula conhecia o jogo. Replicou alianças com mais intensidade (PT-PMDB-PP et caterva) do que fizera Fernando Henrique (PSDB-PFL-PMDB).
O maior líder popular da história brasiliana (ao lado de Getúlio Vargas) tratou de formar maioria. O custo, sabe-se hoje, foi altíssimo. Segundo as revelações do Mensalão e da Lava-Jato, o PT fundou sua base parlamentar na corrupção.
Conchavo ou articulação?
O capitão-mor diz que não vai seguir esta trilha. “Querem que eu me adéque pela tal governabilidade? Não vou ceder à pressão nenhuma”, disse em Dallas, nos EUA, na quinta, 16.
Na senda que escolheu, a de enfrentar moinhos de vento, compartilhou texto apócrifo. “Bolsonaro provou que o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”, chancelou o presidente.
Ou o mandatário confunde conchavo com articulação. Ou está sinalizando para o imponderável.
Fato é que, até aqui, o hodierno presidente não formou base parlamentar. Não se conhece, em países democráticos modernos, mandatário que dispense uma base aliada majoritária e consistente.
Afinal, um presidente democrático depende do Parlamento para as tarefas mais elementares, porém vitais. É o caso do orçamento. Quem diz o que o presidente pode ou não gastar são os parlamentares.
Mesmo sobre a organização administrativa – que, no meio empresarial, é decidida em petit comité -, o presidente da República tem pouco poder. Vide a Medida Provisória 870, essencial para a reorganização do Executivo e que Bolsonaro está com dificuldades para aprovar.
Executivo buscar respaldo do Legislativo é plenamente natural num sistema democrático. Senão, é ditadura.
Verdade que o limiar entre a aliança legítima e a espúria é tênue. E se presta a muitas interpretações. Fernando Henrique e Lula afrouxaram esta relação. Mas sobreviveram até o fim de seus mandatos.
Si hay gobierno, soy contra
No caso de Bolsonaro, porém, o que chama a atenção é seu aparente desinteresse em formar uma base de sustentação para enfrentar o tremendo desafio que buscou voluntariamente ao disputar o pleito de 2018 contra todas as probabilidades. Qual seja, fazer o Brasil retomar o caminho do crescimento econômico e do desenvolvimento social.
Tarefa que, nestes 34 anos de normalidade democrática, os presidentes conseguiram apenas de forma espasmódica. Isto porque, concordam economistas de diversos matizes, nossos fundamentos não sustentam um crescimento prolongado.
“O que temos é um presidente
que adota a autosabotagem como postura política
e o messianismo como conduta pessoal.”.
Se a ausência de interesse em formar uma base aliada já se constitui numa extravagância na política como forjada no mundo ocidental, o que dizer das constantes sabotagens. Os reveses acumulados pelo Governo Federal não vêm da oposição, mas da nata que compõe o bolsonarismo.
As provocações desnecessárias multiplicam-se. Na política educacional (que desagradou a maioria dos parlamentares), a briga fraticida com o deputado Rodrigo Maia (reformista convicto) e o endeusamento do boquirroto da Virgínia são mostras de autosabotagem.
Diferentemente de Lula, na primeira eleição, Bolsonaro elegeu-se com o entusiasmo do empresariado, que apostou na conversão do capitão-mor ao liberalismo. Na prateleira de candidatos havia liberais de carteirinha, mas o extremismo político é moda contagiante, o que levou a dupla mais radical ao segundo turno.
O Messias chegou
Ao lado da, ainda, incompreendida autosabotagem, Bolsonaro ostenta o messianismo como característica predominante. Não que Lula não o tivesse.
Mas o operário de São Bernardo sabia que não se governa com minorias. Elementar, meu caro presidente olavista.
Assim, dia sim, outro também, o mandatário brasiliano cuida do que mais lhe apraz. Detrata ambientalistas, ataca esquerdistas, debocha de desarmamentistas e, claro, fustiga pederastas, sua maior obstinação.
“O operário de São Bernardo sabia
que não se governa com minorias.
Elementar, meu caro presidente olavista”.
Sabe ele, por certo, que estas bandeiras são as de seu público mais fiel. Para o contingente eclético formado por anticomunistas, conservadores e antipetistas, afora lunáticos de toda espécie, Bolsonaro é a esperança de um Brasil sadio, infenso às transformações culturais do século XX.
Ocorre que nossos problemas imediatos são de outra monta. O Brasil precisa gerar milhões de empregos, precisa destravar o nó fiscal que estrangula a União e os estados & precisa convencer investidores bilionários a investir.
Chama o Mourão
Mas o que temos para o jantar é um presidente que adota a autosabotagem como postura política e o messianismo como conduta pessoal.
Presidentes bem-sucedidos devem ser líderes políticos e bons gestores. Até o momento, Bolsonaro passa longe dos dois predicados.
Enfim, a não ser que o quadro mude radicalmente, estamos sendo governados por um presidente incapaz.
Onde fica o Brasil diante de um presidente incapaz de governar? Talvez só o general Hamilton Mourão saiba responder.