À primeira vista pode parecer estranho, mas o governo Jair Bolsonaro tem justiçado aos maiores algozes da esquerda sem que esta perceba.
O sistema político, que derrubou Dilma Rousseff, por ser reticente a ceder cargos e recursos para governar, e tirou o chão de Lula pensando em se salvar às custas da cabeça dele, está passando a pão e água. Se ganhar algo, será muito menos do que está acostumado desde a proclamação da Nova República. Dia sim, outro também, é chamado, à luz do dia, de velha política.
A cúpula do Judiciário, que atuou desfavoravelmente à Rousseff, no Impeachment, e a Lula, na Lava Jato, agora corre para criar condições para o petista deixar a prisão porque não tem prestígio mínimo para enfrentar Bolsonaro em popularidade.
A indústria, que colheu tantos lucros e incentivos nos governos do PT, chegando até a elaborar o pacote de benefícios não correspondidos (que fulminou a conta fiscal), culminando no apoio do setor ao Impeachment, é rechaçada por uma nova política econômica avessa a subsídios de qualquer espécie.
O mercado financeiro não pode reclamar de previsibilidade. Já está mais do que claro que Bolsonaro não montará uma coalizão, com todos os ingredientes necessários (não uma à Bela Gil), para aprovar uma reforma das aposentadorias. Como a denúncia original do Mensalão (2005, Lula) discorre. Mais previsível que isso é o sonho.
A Lava Jato segue apontada para os três setores sem sinal de freio, mas a própria operação, que interditou Lula e contribuiu, com atos decisivos, para a queda de Rousseff, deve perder espaço para a preferência ao combate ao marxismo cultural no Ministério Público.
A imprensa, que tratava o PT como OCRIM, foi trocada pela comunicação direta via redes sociais. Analistas do establishment da análise política viram as profecias centristas e da ameaça populista de Lula fracassarem – não por acaso este mercado se abriu como nunca – e Bolsonaro desfilar vitorioso contra prognósticos e conselhos na pré-campanha, na campanha, na transição e no exercício do governo.
Os militares, que esperavam se redimir perante a opinião pública da alegada difamação da centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda, com o uso de suas capacidades técnicas para resolver problemas nacionais, já cheios de empáfia pelo suposto papel tutelador que creditavam a eles, assistem diariamente a afirmação de que quem manda é a ala antiestablishment.
Os stalins da direita não vêem é que Steve Bannon se parece muito mais a um Trotsky invertido, fundando escolas de formação de direita em mosteiros italianos, construindo a internacional The Movement e suas seções nacionais, tal como se embebedando dos sentimentos sofridos das pessoas comuns contra tudo que está aí.
Com indicadores socioeconômicos ruins, ainda que de pouca responsabilidade do presidente, Bolsonaro trava a disputa ideológica com todo o léxico da direita autêntica, e a ala antiestablishment se antecipa a não ter que ficar na mão de ninguém no futuro incerto. Lembra alas do PT falando que não bastava a inclusão pelo consumo, que era preciso disputar valores? Pois então.
Não que isso vá aproximar bolsonarismo e petismo. Pelo contrário. E, muito menos, que o governo esteja dando fôlego ao PT. Mas se o PT quiser ele embarca direitinho, pela esquerda, na disputa da “restauração cultural” que Olavo anuncia à direita.
(Aliás, porque geral não debate as teses de Olavo e só o adjetivam?)
Oportunidade semelhante o PT teve nas origens do PSDB, quando, em vez de escolher os tucanos como a Geni, poderia ter construído uma blindagem mínima dos principais pólos em torno de temas sobre os quais se unem hoje, quando são denunciados como globalismo, comunismo, socialdemocracia ou, simplesmente, tijolos do establishment. Já o bolonarismo se coloca confortavelmente como antissistema. Ironias da vida.
O fato é que nunca se discutiu política tão aberta e despudoradamente no executivo, no legislativo, no judiciário e nas comunidades. Nunca a política como ela é teve tanta audiência. Nunca houve um centro social declarando que, se não der certo, “a gente tira de novo”. Baitas sentimentos democráticos.
O triste é um desemprego tão alto e com as pessoas dispostas, literalmente, a matar ou morrer por se sentirem autorizadas por esta ou aquela ideologia. Não fosse isso, seria muito bem vindos o golden shower e as Cem Flores de cada dia.