Sérgio Moro nunca foi unanimidade. Sua decisão de trocar a toga pelo Ministério da Justiça e da Segurança – com a promessa de poderes reforçados para o combate à corrupção e ao crime organizado – causou polêmica inclusive entre seus admiradores. Quem não gostou, manifestou receio de um mergulho no imprevisível governo Bolsonaro. Mas, as pesquisas mostraram amplo apoio da população pela aparente oportunidade de um combate de verdade a tanta roubalheira e criminalidade.
Com pouco mais de dois meses no cargo, Moro já está na berlinda. Alguns insistem que ele teria cometido uma espécie de pecado original ao aceitar o convite de Bolsonaro depois de ter dado a sentença que ao cabo levou Lula à cadeia por corrupção. Outros estão convencidos de que acertaram os prognósticos de que, ao trocar Curitiba por Brasília, o juiz estaria caindo em uma armadilha.
O fato é que, apesar de algumas humilhações como pagar pagar o mico de convidar e desconvidar a cientista política Ilona Szábo para a suplência de um dos conselhos de seu ministério, Sérgio Moro ainda não gastou seu cacife. Depois do carnaval, com a volta plena dos poderes da República, suas fichas estarão no tabuleiro. Especialistas nesse jogo, com amplo conhecimento e atuação em seus bastidores, avaliam que Sérgio Moro, pela mescla de desconfiança com autoconfiança, estaria cometendo uma série de erros que em Brasília costumam custar caro. Na ótica deles, seriam os seguintes:
- Montar estratégia principal via Parlamento, com um terço de deputados e senadores investigados, denunciados ou réus, um campo minado. Ele deveria ter iniciado sua gestão com medidas executivas contra o crime. Medidas legislativas demoram a ser aprovadas e uma eternidade para darem resultados.
- Montar um pacote anti-crime digno de um iluminado, sem ouvir ninguém. Simplesmente teria ignorado sugestões e reflexões da sociedade, de especialistas, do Conselho Nacional de Segurança Pública e as propostas das comissões criadas pelo parlamento — uma delas chefiada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, e a outra relatada pelo desembargador federal Ney Bello Filho.
- Tirar o Coaf do Ministério da Fazenda. Na prática, isso significaria compartilhar o registro fiscal de todos os brasileiros na Receita Federal com o Ministério da Justiça, esfera de atuação policial e penal. A avaliação em importantes gabinetes na Praça dos Três Poderes é que essa mudança seria inconstitucional e pode ser barrada no STF. O mais incrível, segundo fontes bem informadas, é que o próprio presidente Jair Bolsonaro teria tomado um susto quando soube do alcance da medida e disse que não sabia o que era o órgão quando Moro fez o pedido para sua transferência para a Justiça.
- Cercar-se de “curitibanos”, seus parceiros na Lava Jato. Pelos cálculos de quem trabalha na administração do Ministério da Justiça, mais de 40 “curitibanos” foram integrados ao time do superministério de Moro.
- Montar uma equipe com policiais federais (de Curitiba) com procuradores da República que entendem muito de corrupção e muito pouco de segurança pública. O cobertor ficou curto em áreas importantes.
- Se propor, ou aceitar o papel, como ministro da Justiça, de “xerife” anti-corrupção do Executivo. Isto é, uma ameaça a seus pares e ao próprio Parlamento. Sendo que o tema corrupção nunca foi atribuição de ministro da Justiça, mas, sim, de instituições como a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal e a própria Justiça.
- Acreditar que tinha “carta branca”. Sua primeira decepção foram as alterações feitas pelo Palácio do Planalto para flexibilizar a minuta que elaborou para o decreto sobre a posse de armas de fogo. O Brasil é um dos recordistas de mortes violentas em todo o mundo. Pela série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, depois de 11 anos o país teve ano passado uma significativa redução de assassinatos, cerca de 13% em relação a 2017. “O afrouxamento das regras para a posse de armas muito provavelmente fará subir o número de mortes, o que recairá sobre a cabeça dele”, me disse uma fonte que acompanha essa questão de perto.
- Pretender fazer o sucessor de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República. De ministros do STF a procuradores da República, a avaliação é de que Sérgio Moro vem operando para isso, com o propósito de ampliar ainda mais o poder da turma da Lava Jato em Brasília. Eles argumentam que, se Moro emplacar o próximo chefe do Ministério Público, vai conseguir um poder disfuncional e único na República: Ministério da Justiça, Segurança Pública, Polícia Federal, Coaf, DRCI ( Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação) e a Procuradoria-Geral da República. Muita gente pensa igual no Planalto.
Por essa contabilidade brasiliense nem a transferência de Marcola e da cúpula do PCC de São Paulo para presídios federais entra na coluna de haveres de Moro. O registro ali é de que a iniciativa foi de João Doria (só o governador pode decidir/pedir), quem organizou a segurança para a transferência também foi a equipe de São Paulo e quem transportou foi a Força Aérea Brasileira. Por essa versão, Moro aplaudiu e faturou. Simples assim.
Evidente que algumas observações e restrições de quem conhece os meandros do poder em Brasília devem, sim, ligar o sinal de alerta de Sérgio Moro. Fritura, nas mais variadas temperaturas, é uma das especialidades da casa. Há dicas aí que podem, sem abrir mão de princípios, facilitar sua vida nesse ninho de cobras criadas. Mesmo sem elas, ele sempre deu mostras de uma resiliência impressionante. Além de encarnar, de forma muito mais autêntica que Bolsonaro, o sentimento anti-Brasília, que indigna o país contra o assalto aos cofres públicos, as negociatas, o excesso de privilégios e a impunidade, que se identificam com os poderosos encastelados na capital da República.
Isso dá uma grande vantagem relativa a Moro. Na minha ótica, a escolha do Congresso como o primeiro grande campo de batalha foi acertada. Com o apoio de Lula, Eduardo Cunha, Dilma Rousseff, Michel Temer, Aécio Neves e todos os cardeais da política, na última legislatura os comandos da Câmara e do Senado não conseguiram barrar a Lava Jato e outras investigações sobre a corrupção com dinheiro público. Tentaram de todas as maneiras, quase chegaram lá, mas foram derrotados pela reação da opinião pública, mobilizada pelas redes sociais.
A grande renovação agora na Câmara e no Senado, com a eleição de grande número de deputados e senadores que fizeram campanha tendo a Lava Jato como bandeira, desarma boa parte das minas espalhadas pelos políticos acuados por investigações sobre corrupção. A com maior poder explosivo foi plantada no Senado Federal. Durante meses, germinou ali o tabu de que Renan Calheiros, apresentando-se como o oponente de Sérgio Moro, seria imbatível. Um blefe que só não ganhou a aposta pela reação de alguns senadores – Simone Tebet, Tasso Jereissati e Davi Alcolumbre, entre outros — que se alinharam a turma que acabava de chegar e eleita pela discurso de mudança.
Davi Alcolumbre, como Rodrigo Maia, ao defenderem o foco na reforma da Previdência, e não no pacote anti-crime enviado pelo governo, são computados como adversários de Moro. Bobagem. Eles até podem ter suas preferências, mas estão cansados de saber que ninguém, por mais esperto que seja, dita mais o ritmo e o rumo na Câmara e no Senado à revelia do que é praticamente consensual nas redes sociais: o basta à corrupção e à impunidade.
Quem aposta em contrapor a necessária reforma da Previdência ao avanço das leis para o combate à corrupção e à impunidade vai gastar fichas à toa.
A conferir.