O sufoco de Kakay

Uma regrinha básica nos manuais políticos sobre exposição negativa  — quanto mais tem que se explicar, maior a dor de cabeça — se aplica agora a um famoso conselheiro de poderosos alvos de acusações embaraçosas. Craque em gestão de crises alheias, o advogado Almeida Castro, o Kakay,  sabe bem disso. Seu ponto agora é como administrar um problema com a própria imagem: uma foto em que ele aparece de bermuda, camiseta e tênis em pleno Supremo Tribunal Federal está bombando nas redes sociais.

A ministra Ellen Gracie, quando presidiu o STF, autorizou o uso de calça comprida para as mulheres na Suprema Corte. Mas ela mesma, jamais usou. Foto Orlando Brito

A repercussão se explica por ser o Judiciário o poder mais exigente quanto às vestimentas. Nem é por suas togas. O STF só aceitou que mulheres usassem calça comprida em seu plenário depois da chegada da ministra Ellen Gracie, mesmo assim se acompanhada de blazer. A própria Gracie, sempre com saias e vestidos, não se aproveitou dessa autorização. Anos depois, Cármen Lúcia foi trabalhar com calça comprida e blazer, virou notícia. O Senado havia abolido a proibição anos antes cedendo à pressão de um movimento de jornalistas liderado pela repórter Leda Flora.

Daí a preocupação de Kakay. No sábado, depois que sua foto de bermuda foi publicada na coluna de Lauro Jardim, em o Globo, ele  deu a primeira explicação. Disse que a foto era do ano passado e que, naquele dia, ele não havia entrado em nenhum gabinete nem despachado com ministros. “A urgência em pegar um documento fez com que eu fosse a Corte naquele momento, mas reitero que não tive a intenção de ser desrespeitoso com a liturgia do Supremo Tribunal Federal”.

O advogado Antonio Carmos de Almeida Castro, o Kakay, no plenário do Supremo. Foto Orlando Brito

A intenção de Kakay de pôr um ponto final no caso não deu certo. Juízes continuaram insatisfeitos. Nesse domingo, Kakay divulgou outra nota sobre o episódio. Nela, ele  reiterou suas explicações de que foi ao STF  buscar um documento em um feriado, sem informar onde teve acesso ao tal papel, e acrescentou um pedido de desculpa: “Mas o uso da imagem como se de alguma maneira eu estivesse desdenhando do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, me faz vir a público esclarecer e pedir desculpas aos membros do Poder Judiciário e a quem, de alguma forma, considerou o fato desrespeitoso”.

Há décadas, Kakay circula com desenvoltura nos bastidores de todos os poderes. É amigo de juízes e tem em sua carteira de clientes muitos cardeais da política, 17 deles réus na Lava Jato. Ele conhece como poucos as manhas e o apego dos poderosos a liturgias, a importância que dão a vestimentas “adequadas”, que entendem como sinal de respeito a autoridade que o poder lhes confere.

O deputado Barreto Pinto na famosa foto de Jean Manzon

Há precedentes históricos. Em 1947, o deputado constituinte Edmundo Barreto Pinto deixou-se fotografar pela famosa dupla de repórteres Jean Manzon e David Nasser, da revista O Cruzeiro, de fraque e cueca samba-canção. Foi um escândalo. Mesmo se dizendo enganado pela suposta promessa de que seria publicada apenas a imagem da cintura para cima, ele entrou para a história como o primeiro deputado cassado pelos colegas por falta de decoro parlamentar. Foi o único durante muitos anos. O segundo foi o senador Luiz Estevão, no ano 2000, que perdeu o mandato acusado de mentir em uma CPI que apurava seu envolvimento em um escândalo de corrupção.

 

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