Minas Gerais é a síntese do Brasil, costuma-se dizer. O deputado federal e ex-ministro Patrus Ananias lembra que o que acontece no Brasil repete-se em Minas, diz o veterano político, ele próprio uma expressão de seu estado, nascido no Vale do Jequitinhonha, membro de uma família ilustre de Barbacena, que se projetou como prefeito de Belo Horizonte. Nesta linha, o governador estreante Romeu Zema está batendo recorde nacional das gafes de estreantes.
No século XIX, tamanha iconoclastia seria denominada, com certeza, do “tempo do bota-abaixo”.
É uma situação que se repete em todo o País, onde neófitos venceram eleições improváveis, surfando a onda gigante do presidente eleito Jair Bolsonaro e, agora, chegando o momento de tomar posse em seus mandatos, apresentam-se totalmente atrapalhados diante das exigências das instituições.
Regimento é do Exército?
No Congresso Nacional é hilariante ver a perplexidade de certos parlamentares eleitos sem nunca terem sequer assistido a uma sessão da Câmara de Vereadores de suas cidades em grotões remotos de seus a estados.
Chegando a Brasília para tomar pé em suas novas funções, entram desconfiados na Câmara ou no Senado, envergonham-se e se enchem de coragem para perguntar sobre informações aparentemente óbvias que recebem dos funcionários que, divertidos, assistem ao embaraço dos novos salvadores da Pátria. Um deles chegou a perguntar se Regimento Interno seria algum tipo de quartel do Exército? Afinal, com tantos militares na nova política, não seria descabida a pergunta.
Fique tranquilo
Foi assim que, segundo a imprensa mineira, o falante governador Zema disse, depois de uma visita de cortesia, muito educadamente, ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Nelson Messias de Moraes, que ficara muito impressionado com a gestão do TJMG e que o chefe do Poder Judiciário poderia ficar tranquilo que seria mantido.
Messias quase engoliu a toga, mas manteve-se impassível e, diante da grande repercussão do fato nas rodas do anedotário belo-horizontino, elegantemente desmentiu. Entretanto, comenta-se na cidade que ele teria dito o mesmo aos presidentes do Tribunal de Contas e do Ministério Público Estadual. Exagero.
No entanto, Zema está fazendo bruzuras na cidade. A mais comentada é o tumulto no bairro da Pampulha, onde ele tem um apartamento, com os moradores apavorados com a súbita invasão de policiais, fixação de cancelas, quebra-molas e todo o aparato de segurança.
Os vizinhos terão de ter identidade verificada para circular nas proximidades de suas casas, no mesmo prédio, e informar com antecedência sobre visitas. Pode ser demais, mas dizem que será assim nos arredores da casa dele.
Museu das Mangabeiras
O governador disse que vai cumprir promessa de campanha, aquela mais recorrente em todos os candidatos a cargos executivos no Brasil, de não morar no Palácio. Multimilionário, Zema resolveu, como Fernando Collor, eleito presidente da República e dono da Casa da Dinda, em Brasília, não ocupar a residência oficial do governador.
Essa vontade do novo mandatário já causa espécie aos mineiros da capital. A cidade se orgulhava dessa residência oficial, o Palácio das Mangabeiras, uma casa até simples, construída por Oscar Niemeyer para o então governador Juscelino Kubitschek. Essa residência é adequada, já com todos os esquemas de segurança instalados. Mas é uma construção muito simples, embora se denomine Palácio.
Assim como os portenhos de Buenos Aires, os belo-horizontinos dão o nome de palácio a muitos tipos de prédios, que nada têm de suntuosos. Como foi o Palácio dos Fogões, que era uma oficina que concertava aparelhos domésticos, tal qual na Argentina há um restaurante da Calle Lavalle autodenominado Palacio de las Papas Fritas, ou seja, batatas fritas.
Antes de conhecer o imóvel, Zema disse que transformaria o “palácio” em Museu das Mordomias. Agora, meio sem jeito, não sabe como cumprir esta promessa da campanha.
Es otra cosa
A verdade é que os novos eleitos não repetem a regra antiga, quando a renovação dos poderes se dava sem tantas trapalhadas, com quadros que vinham de administrações estaduais ou de antigos políticos voltando ao poder central, no Congresso ou no Executivo. Esses estreantes ainda estão “empoderados” pelas urnas, esperançosos de mudar o Brasil. Chegando à Praça dos Três Poderes cai-lhes sobre as cabeças a realidade dos rituais do Estado.
Então, lembra-se do antigo (e trágico) presidente do Chile, Salvador Allende. Eleito depois de uma campanha que prometia botar tudo abaixo, dando suas primeiras entrevistas mostrou-se contido pela realidade.
Cobrado pela imprensa por mudança tão súbita, o veterano político respondeu em tom explicativo: “cantar com la guitarra es outra cosa”. Traduzindo: cantar debaixo do chuveiro é uma coisa, vale tudo; já com o violão, há que fazê-lo afinado, entoado e no ritmo da música.