A opção do general na guerra entre investigadores do Caso Marielle

Marielle Franco

A vida de militar é estar sempre a postos para a troca de endereço. O general de brigada Richard Nunes está mais uma vez de mudança, transferido do Rio de Janeiro para Brasília. Além de trocar o emprego improvisado de secretário de Segurança do Rio pelo de chefe de gabinete do futuro comandante do Exército, general Edson Pujol, ele vai escapar do fogo cruzado entre autoridades de segurança federais e estaduais.

General Richard Nunes. Foto Agência Brasil

Trata-se de uma guerra entre forças do Estado sobre a condução das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, que, em nove meses, efetivamente ainda não chegaram a lugar algum. Em Brasília, é avaliação quase consensual no Ministério Público, Polícia Federal e em outras agências de inteligência e de segurança que uma das causas da elucidação do Caso Marielle não avançar é porque está sendo sabotada.

O general Richard Nunes é o atual secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, cargo-chave da intervenção federal no Estado. No seu dia-a-dia, ele chefia as polícias civil e militar, e está  no comando dos embates diários, em múltiplas frentes, com as mais variadas formas de criminalidade. Faz isso com um ouvido nos subordinados e outro nos parceiros federais. Quem acompanha de perto os bastidores do que rola na intervenção diz que, até agora, o general vinha se equilibrando em meio ao fogo cerrado entre as duas vertentes da investigação.

Em entrevista ao Estadão, publicada na sexta-feira (14), Richard Nunes desceu do muro e tomou uma posição. Ele endossou a linha de investigação estadual de que os mandantes do duplo assassinato são milicianos incomodados por Marielle estar xeretando grilagem de terra na Zona Oeste do Rio de Janeiro. De acordo com o general, quem encomendou o crime teria feito uma avaliação exagerada sobre a influência de Marielle em seus negócios ilegais e só se deu conta da dimensão do crime depois da sua repercussão. Ele descarta a hipótese de que teria sido uma reação à intervenção federal.

Raquel Dodge

Não é só nisso que o general Richard Nunes tromba com outras linhas de apuração. Ele questiona, por exemplo, os fundamentos da investigação federal sobre a investigação estadual, pedida pela procuradora-geral Raquel Dodge e acatada pelo ministro Raul Jungamnn, da Segurança Pública. O inquérito foi aberto com base em diagnósticos sigilosos e formalmente sustentado no depoimento do ex-PM Orlando de Curicica, também suspeito de participação no crime. Diz o general que isso não faz o menor sentido: “É um absurdo em uma nação democrática colocar em xeque uma investigação a partir do depoimento de um preso”. E arrematou: “Ele está sendo bem tratado por certa parcela da mídia e de determinadas instituições que estão dando voz para ele. Aquilo não é uma delação premiada coisa nenhuma”.

A entrevista do general causou surpresa em Brasília por entrar com tanta contundência em uma bola tão dividida. Dizem que ele estava a par dos avanços na apuração da Polícia Federal sobre “a sabotagem” por uma rede de autoridades estaduais e teria sido aconselhado a não embarcar nas versões de seus subordinados no Rio. Entre esses  conselheiros, alguns colegas de farda. “Pelo jeito ele preferiu vestir a camisa da polícia carioca, talvez para passar a impressão de que, durante sua gestão, praticamente se elucidou o assassinato”, lamentou uma autoridade federal. “O que há é muita especulação. Essa sugestão de que a Polícia Civil não estaria fazendo um trabalho isento não tem fundamento. É um incômodo que em nada auxilia a investigação”, diz o general Richard Nunes, justificando sua opção.

Pela ótica dos investigadores de Brasília, o Caso Marielle continua patinando. Essas últimas investidas, como operações com múltiplos alvos e o mandado de Busca e Apreensão na casa e no gabinete do vereador Marcello Siciliano, seriam apenas cortina de fumaça. Eles incluem nesse mesmo cardápio o suposto plano para assassinar nesse sábado (15) o deputado Marcelo Freixo, que teria sido alardeado com base apenas em um telefonema anônimo e em uma agenda pública do parlamentar. Tudo isso faria parte de uma suposta estratégia de simular avanços na apuração com o duplo propósito de dar alguma satisfação à sociedade e empurrar a solução dos crimes com a barriga.

Os investigadores estaduais rechaçam essas suspeitas. Dizem que o crime foi bem planejado e executado, daí a dificuldade de sua elucidação. Apontam como testemunhos da seriedade do trabalho o reconhecimento da família de Marielle, do deputado Marcelo Freixo e do general Richard Nunes. “A morte de Marielle e seu motorista foi um crime sofisticado, um dos mais sofisticados da história do Rio de Janeiro”, reforçou Marcelo Freixo nessa agitada sexta-feira.

Essa queda de braço só terá algum sentido se, em algum momento, não importa se por investigadores estaduais ou federais, os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes forem efetivamente esclarecidos. E os mandantes e executores punidos.

A conferir.

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