Quem se elege deputado federal por surfar em ondas eleitorais costuma desembarcar em Brasília se sentindo meio dono da praia. Ao se misturarem a outras centenas de parlamentares que chegaram pelas mesmas urnas, sendo ou não marinheiros de primeira viagem, aos poucos vão caindo na real.
Muitos se sentem meio impotentes. Mal conseguem se situar em uma máquina repletas de armadilhas que costuma devorar quem não consegue decifrá-la. Os mais afoitos pagam seguidos micos. Eles se dão uma importância que, pouco importa a votação que obtiveram, causam impressão negativa entre seus pares. Pelas regras da Casa, valiosas para o baixo clero, ali eles são iguais.
Se é assim no balanço do mar a cada quatro anos, imagine com a turma que entrou para fazer figuração e recebeu uma avalanche de votos no tsunami Bolsonaro. Alguns nem bem adentraram ao tapete verde e já querem sentar na janelinha. É o caso de Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre, eleito em São Paulo pelo mesmo DEM de Rodrigo Maia. Antes de pisar em Brasília, ele se lançou candidato a presidente da Câmara, aparentemente sem nenhum medo do ridículo.
A jornalista Joyce Hasselmann, do PSL, mal foi eleita e vem colecionando micos. Logo depois do primeiro turno, ela levou João Doria a tiracolo para um encontro no Rio de Janeiro com Jair Bolsonaro, sem acerto prévio. Sem maiores firulas, Bolsonaro deu um bolo em ambos.
Joyce, então, se lançou candidata a presidente da Câmara ou, como compensação a líder do PSL, que pode se tornar até fevereiro na maior bancada com a adesão de deputados eleitos por partidos barrados pela cláusula de barreira. O próprio Bolsonaro descartou o PSL na disputa pelo comando da Câmara e, sem a menor cerimônia, seu filho Eduardo Bolsonaro já anunciou que vai liderar o partido.
De acordo com aliados políticos, Jair Bolsonaro sabe que não pode errar na Câmara. Bancar um candidato e perder é risco para suas agendas e a sua própria sobrevivência política. Dilma Rousseff quis dar uma rasteira em Eduardo Cunha, perdeu a parada, e virou refém. Deu no que deu. Evidente que Bolsonaro chega com muito mais cacife que Dilma, reeleita em um escancarado estelionato eleitoral.
Bolsonaro quer emplacar sua duas agendas na Câmara: uma liberal, outra conservadora. A mais urgente delas, segundo coordenadores de sua campanha, é a agenda liberal para a economia, pilotada pelo “guru” Paulo Guedes. Se ela prevalecer, o perfil de quem pode facilitar sua tramitação na Câmara é o do próprio Rodrigo Maia, que se identifica com as propostas e já conhece o caminho das pedras.
Rodrigo Maia parecia ser uma solução quase natural para pavimentar o caminho das reformas da futura equipe econômica, carro-chefe para um eventual sucesso da gestão Bolsonaro. Mas Eduardo Bolsonaro entrou no circuito com uma ressalva sobre Maia. Disse que, por também transitar bem nas esquerdas, ele talvez não seja o nome ideal para tocar a segunda agenda prioritária de Bolsonaro. È a agenda dos costumes, com bandeiras dos evangélicos como escola sem partido, oposição a casamento gay, aborto etc. Nesse balaio, entram também outras pautas conservadoras sobre armas, meio ambiente, movimentos sociais…
Dessa aliança conservadora surgiu o nome do deputado João Campos, pastor evangélico e delegado de polícia, eleito em Goiás pelo PRB do Bispo Edir Macedo, da Igreja Universal. Sem dúvida, ele é um nome que agrada às bancadas evangélicas e da bala e também é bem aceito pelos ruralistas. É uma turma, digamos, de bolsonaristas de raiz.
Por mais que queira deslanchar seus principais compromissos de campanha, a opção de Bolsonaro sobre quem apoiar para comandar a Câmara pode ser determinante para definir a prioridade entre suas agendas liberais e conservadoras.
A conferir.