Trinta anos esta noite – ou a volta das trevas

Ulysses Guimarães, deputado federal do PMDB e presidente da Assembléia Constituinte, com o livro da Constituição no dia de sua promulgação no Congresso Nacional..

Trinta anos se passam num sopro, como os vinte daquele velho tango, e a Constituição completa hoje três décadas. Idade do meu filho Cacá, que, dentro da minha barriga, testemunhou muitas madrugadas de negociações e votações e até a fundação do PSDB. Ironicamente, o aniversário de trinta anos da Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães veio bater num momento em que tudo o que ela representou corre o risco de ir pelos ares e ser substituído por uma nova Era das Trevas.

Com todos os defeitos e problemas, a Carta de 1988 encarnou as esperanças do fim de uma ditadura militar. Seu principal erro pode ter sido o de querer colocar no papel o Brasil com que sonhávamos, achando que, só com isso, ele iria se materializar: com democracia, direitos iguais para todos, salário mínimo digno, educação, saúde, juros baixos, etc.

É óbvio que muito não se realizou, e as quase cem emendas feitas à Carta nesses trinta anos refletem a necessidade óbvia de se adequar a uma realidade muito menos cor-de-rosa. Mas muitos dos sonhos se realizaram: a hiperinflação foi debelada, a economia estabilizada, a democracia prevaleceu, pela primeira vez na história houve redução das desigualdades, distribuição de renda, maior acesso à educação, menor mortalidade infantil, emprego e menos pobreza.

Por incrível que pareça, quem viabilizou isso foram as forças que, em nome de suas ambições politicas, tanto se digladiaram que abriram espaço para o crescimento do obscurantismo que pode colocar um fim à Era da Constituição Cidadã. Por isso, mais do que em qualquer outro aniversário, neste, a dois dias das eleições, é preciso colocar a cabeça no lugar e refletir bem.

São justas e compreensíveis a revolta e a desilusão com tudo o que está aí. Sobretudo em quem tem menos ou pouco mais de trinta anos e vive o desemprego, as perdas de renda, a corrupção, etc. Mas é preciso que saibam que houve tempos infinitamente piores, onde o simples direito de reclamar – nem isso, de apontar – das mazelas nos era interditado, e quem ousava fazer isso corria risco de processo, tortura, morte, aniquilação total.

É isso o que está em jogo nessa triste antevéspera da eleição, aniversário da Carta redentora de 88, quando somos obrigados a nos lembrar que um dia fomos às ruas contra a ditadura e ganhamos a batalha contra o obscurantismo que agora ameaça voltar.

Em tempo: não vamos embora para Lisboa. Vamos ficar e lutar.

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