O ex-presidente Lula é o candidato dos sonhos da chamada esquerda. Preferência de um terço do eleitorado, é o caminho mais curto à retomada do poder pelo voto.
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Assim, o esforço para fazê-lo candidato à Presidência da República é compreensível. Trata-se, porém, menos de devoção e mais de estratégia político-eleitoral.
Caso o cárcere dissipe os votos do companheiro, boa parte da sinistra levantará acampamento do bivaque de Curitiba. O peso de Lula é proporcional às urnas nas quais arrebata maiorias e vigor.
Ao mesmo tempo, ele é forma oportuna de evitar o divã da penitência. Dedicados a conduzi-lo como mártir, militantes evitam contemplar-se no espelho oxidado pelo declínio moral.
Com ele, PT & Cia. posam de vítimas. Isentam-se de admitir que se apropriaram do Estado para praticar malfeitos com a promessa de conduzir operários e camponeses ao paraíso – vã tentativa desde os confrontos de 1917.
Lula, além disso, une e lidera facções distintas e antagônicas. Em torno dele, todos, mesmo os que se converteram em meliantes do erário, encenam o teatro das virgens de papel.
“Lula representa
mais do que seus votos”.
Encarcerado, Lula garante à sinistra o discurso de vítima do sistema e da elite. Como se boa parte do PT não fosse elite e não tivesse partilhado do mesmo cocho aonde todos se lambuzaram de dinheiros surrupiados e das promessas demagógicas.
Cadafalso, não
A incomparável força do maior líder de massas da história do Brasil não seria suficiente para conduzir toda a grei esquerdista ao cadafalso tivesse ela outro nome. Tanto que Ciro Gomes vai se configurando opção, mais por seus votos potenciais do que por seu perfil gabola.
A eventual desidratação eleitoral do companheiro-mor não tirará dele o papel de estrategista. Mas não se espere da esquerda, e sua disposição intrínseca de se perpetuar no poder, abdicar do mando do Estado caso outro nome adquira envergadura para ocupar o Palácio do Planalto.
Lula representa mais do que seus votos. Mas, enquanto a arena for a democracia, a sinistra preferirá nutrir-se do insumo da sobrevivência. E sobreviver numa democracia requer votos, não mártires.