“Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho?”

Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro, o capitão-candidato a presidente, dispensa credenciais. Seu passado, e suas palavras e ações, falam por esta figura nefasta, que quer saltar de um mandato pífio de deputado – sem nunca ter administrado um condomínio – para a Presidência da República. Como todo mundo, menos os bolsominions e amnésicos históricos, sabem, Bolsonaro deixou o anonimato nos anos 80 admitindo ter ajudado a construir um atentado terrorista, em plena redemocratização, e até cometido atos de indisciplina e deslealdade para com os seus superiores no Exército. A admissão ocorreu em uma investigação interna conduzida pelo Exército com base em um artigo e uma reportagem publicados por Veja, então um grande veículo – o primeiro, escrito pelo próprio Bolsonaro, foi publicado em 1986 e nele o capitão reclama que “o salário está baixo”; a segunda, em 1987, revela que ele elaborou um plano que previa a explosão de bombas de baixa potência em banheiros da Vila Militar, da Academia Militar de Agulhas Negras, em Resende (RJ), e em alguns quartéis. O plano fora batizado de “Beco sem saída”.

Contexto: Segundo semestre de 1987, acabara a ditadura e já sob o governo civil de José Sarney, com a “questão militar” e as fardas estreladas ainda pairando como sombra sobre o Planalto – e o fraco presidente maranhense -, a economia estava aos farrapos em razão do fracasso do Plano Cruzado. A inflação estava descontrolada, tendendo a índices estratosféricos, e nos quartéis, como fora deles, havia insatisfação com a política de reajustes dos soldos dos militares – além, é claro, do incômodo, sobretudo entre a oficialidade média, pela perda do poder político que gozaram por duas décadas seguidas. Jair Bolsonaro era então capitão do Exército, da ativa, cursava a Esao (Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais) e morava na Vila Militar, na Zona Norte do Rio.

A reportagem “Pôr bombas nos quartéis, um plano na Esao”, mostrou que Bolsonaro e outro militar, Fábio Passos, preparavam um plano de explodir bombas em unidades militares do Rio para pressionar o comando. Sem o menor constrangimento, Bolsonaro deu uma detalhada explicação até sobre como construir uma bomba-relógio. A reportagem foi escrita por uma jornalista que tive o prazer de conhecer, e que ficou muito marcada pelo episódio, Cassia Maria. Veja não aceitou o off pedido por Bolsonaro – no que fez muito bem, pois estaria acobertando atos terroristas – e quebrou o pacto de sigilo com a fonte.

Depois disso, Bolsonaro virou Bolsonaro de vez. Racista, homofóbico – condenado por isso -, machista, contrário aos direitos humanos e defensor do “legado” da ditadura. Incluindo aí a tortura. Numa entrevista à Band em 1999, ele afirmou: “Eu sou favorável à tortura e o povo é favorável a isso também”. E emendou que era necessário “fazer o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil”. Durante a votação da abertura do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff, Bolsonaro dedicou seu voto “à memória do coronel, o pavor de Dilma Rousseff”, uma homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar brasileiro a responder por um processo de tortura durante a ditadura militar. Ainda completou sua fala: “Perderam em 64. Perderam agora em 2016”, em uma clara referência à esquerda brasileira.

Em 2014, Bolsonaro disse no plenário da Câmara que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “porque ela não merece”. No mesmo ano, chegou a dizer que os gays eram “fruto do consumo de drogas” e que “ter filho gay é falta de porrada”. Há vídeos aos montes no youtube, se você duvida. Em um evento no ano passado, Bolsonaro soltou declarações de cunho racista contra quilombolas. “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”, disse na época. E por aí vai.

Parecia não faltar nada, mas Bolsonaro sempre surpreende. Ele é capaz, simultaneamente, de defender a tortura na ditadura, os generais sem voto que se enfileiraram para ocupar o Planalto, e ainda tratar seus eleitores como crianças com déficit de atenção. No momento em que é revelado um documento crucial para recontar a história da ditadura militar – vazado da CIA e exposto pelo cientista Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas -, Bolsonaro reafirmou seus escrúpulos. E o que seria capaz de fazer como presidente eleito. O documento oficial faz, pela primeira vez na história, uma ligação direta entre os presidentes-ditadores e os operadores da tortura, os canalhas que impingiam a brasileiros, em nome do regime, práticas desumanas e sádicas como pau-de-arara, afogamento e choque elétrico. Ou seja, eles, generais, sabiam sim dos porões do regime.

O documento, de 11 de abril de 1974, foi elaborado pelo então diretor da CIA, William Egan Colby, e endereçado ao secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger. Tá bom pra você? Se ainda assim duvida, desisto de você. O memorando relata um encontro entre Ernesto Geisel, então presidente do Brasil, João Batista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e futuro presidente, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, ambos na ocasião no Centro de Inteligência do Exército (CIE). Geisel, quando assumiu o governo, deu continuidade à política de repressão e execução de presos políticos então praticada por seu antecessor, Emílio Médici.

O general Milton, segundo o documento, disse que o Brasil não poderia ignorar a “ameaça terrorista e subversiva”, e que os métodos “extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos”. No ano anterior, 1973, 104 pessoas “nesta categoria” foram sumariamente executados pelo Centro de Inteligência do Exército”. Ainda segundo o relato, todas as execuções deveriam ser aprovadas pelo general João Baptista Figueiredo, sucessor de Geisel -e ocupante da Presidência de 1979 a 1985. Foram aprovadas. E a tortura continuou.

Deputaados Eduardo e Jair Bolsonaro, filho e pai, no Plenário da Câmara. Foto Orlando Brito

Pois bem. O pré-candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, comparou as autorizações sumárias dadas pelo presidente Ernesto Geisel para executar opositores do regime militar no Brasil a uma espécie de punição usada por pais contra seus filhos. “Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece”, disse o parlamentar à Rádio Super Notícia, de Belo Horizonte, na manhã de sexta-feira, 11. Leia de novo, é difícil mesmo acreditar. Fica claro que ou Bolsonaro é a síntese dessa frase infantiloide ou trata seus eleitores assim.

Não espere que Bolsonaro tenha percepção da gravidade do que disse. Para se ter uma ideia, ele desqualificou o documento da agência americana de inteligência – como alguns de vocês, leitores, farão com igual falta de habilidade. “Voltaram à carga. Um capitão tá pra chegar lá. É o momento”, disse, referindo-se à possibilidade de ele ser eleito presidente da República em outubro. Conforme o deputado, essa informação nunca havia sido publicada pela imprensa. Que espanto, os documentos eram secretos! “Quantas vezes você não falou no canto? ‘Tem que matar mesmo, tem que bater'”. Talvez o cara tenha ouvido uma conversa como essa, feito o relatório e mandou.

 

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