Houve um tempo, pouco depois da queda do Muro de Berlim e da subsequente dissolução da União Soviética que, aos interessados em conhecer um regime comunista, se recomendava visitarem Cuba antes que a ilha acabasse. Cuba não acabou, mas é fato que nunca voltou a ser como era. O encontro histórico entre os líderes da Coreia do Norte e da Coreia do Sul, Kim Jong-un e Moon Jae-in, me lembrou essa frase que se dizia sobre a ilha caribenha.
Se o comunicado conjunto de Kim e Moon, em que eles prometem trabalhar pela paz e pela desnuclearização da Península Coreana for posto em prática, tem uma boa chance de acabar a Coreia do Norte, tal qual a conheci em 2005. Portanto, é bom correr antes que se termine o país em que a ficção ainda hoje é apresentada aos visitantes como se fosse realidade.
Sempre ao lado de guias (na verdade escoltas do regime) enaltecendo a dinastia Kim e sem o passaporte (recolhido por eles ainda no aeroporto na hora do desembarque) foi possível visitar monumentos, museus, restaurantes e locais próximos a Pyongyang durante sete dias. Vimos salas de aula cheias, que ficavam vazias após passarmos por elas. Entramos em prédios com pontos de comércio e instalações que desapareciam às nossas costas. E, o mais espetacular de tudo, ouvindo as versões que acompanhavam cada um dos roteiros.
Foi uma semana intensa. Mas lembro especialmente de dois momentos. Um deles aconteceu na visita ao Museu da Vitoriosa Guerra de Libertação. Construído para contar a versão norte-coreana da Guerra entre as Coreias (a única que a população do país conhece), o Museu é uma fantasia.
Absolutamente vazio no dia em que lá estivemos, o prédio de paredes altíssimas e móveis empoeirados exibia objetos e roupas dos inimigos capturados, documentos, fotos. Todos recitando a história da acachapante derrota que os guerreiros do norte teriam imposto aos irmãos do sul. Chegamos ao ápice, quando avistamos uma maquete de papelão, dessas feitas antigamente nos trabalhos escolares, que reproduzia uma das cenas da batalha. Em tom solene, a guia informou:
“Estão vendo essa ponte? Por ela passavam todos os alimentos e o armamento que era usado por nossos soldados. O inimigo bombardeou e destruiu para nos derrotar. Mas não conseguiu. Nossos soldados se deram os braços, colados um a um e conseguiram suportar o peso das tábuas de madeira improvisada por onde voltaram a passar os caminhões e assim o abastecimento não parou”.
Outro dia, outro museu. Dessa vez, fora de Pyongyang a visita era para conhecer o “Museu dos Presentes”. Num prédio de arquitetura muito semelhante ao do museu da guerra, contemplamos mais uma das extravagâncias que os ditadores Kim Il-sung (fundador da “pátria norte-coreana) e seu filho Kim Jong-Il (pai de Kim Jong-um) impunham ao povo. Vimos um jacaré empalhado em pé, com uns 50 centímetros de altura, segurando uma bandeja com copos que teria sido presenteado pelo ditador panamenho Manuel Noriega (1934-2017).
Havia cristais enviados por Nicolau Ceausesco (1918-1989), o ditador comunista romeno fuzilado, após a queda do regime. Por fim, enormes painéis fotográficos mostravam “araras na Suécia” e “gorilas na neve”. A guia nos explicou:
“Este museu foi construído para que o povo conheça outras culturas e países, vendo estas fotos e objetos. Nosso grande e generoso líder Kim Il-sun deixou aqui seus presentes para que todos os vejam”. Nesta sexta-feira, 27 de abril em que a humanidade esperançosa comemora o encontro entre os dois líderes e se emociona com a imagem de ambos, cruzando de mãos dadas o Paralelo 38 rumo ao Sul, torço para que não sejam uma ficção as cenas e a promessa de um acordo de paz. Torço pelos norte-coreanos, vítimas das sanções econômicas, que não pude conhecer e com os quais tampouco me foi permitido conversar durante minha estada nesse ainda inexplicável e desconhecido país, em pleno século XXI.