Meu bisavô português Eliziário, soube outro dia, tinha uma mercearia na ilha do Marajó, no Pará. O outro bisavô José, cearense da Serra do Baturité, fugiu da seca no século 19 para se embrenhar na Amazônia e viver da caça e da extração do látex nas seringueiras. Meus avôs e avós, à exceção de um, não terminaram sequer o que hoje chamamos de ensino médio. Meus pais foram, boa parte da vida, operário de fábrica de tecidos, vendedor, secretária e comerciária. Na minha geração, resultado do esforço de várias gerações, conseguimos ascender socialmente a ponto de frequentarmos universidades. Não todos, mas boa parte dos primos têm diploma de ensino superior.
No não tão distante Brasil do início dos anos 80, os jovens que alcançavam a maioridade tinham como plano A de suas vidas conseguir um emprego e sair de casa, e depois (mas não raro simultaneamente) constituir uma família. Era um mundo muito diferente, onde as condições eram reconhecidamente piores. O ser humano, em geral, e ao longo dos seus milênios de presença aqui no planeta, se acostumou à escassez, às dificuldades, à necessidade do esforço para se alcançar conquistas por vezes ínfimas. A regra nunca foi a fartura e o consumismo dos quais o “sonho americano” são exemplos vivos. Não se trocava um eletrodoméstico por nada, não se jogava um sapato fora, as roupas da escola passavam de um irmão para o outro, os pequenos consertos domésticos eram feitos pelos próprios moradores, sempre que possível.
Por essas coisas que muitas pessoas acima dos 40 anos – talvez uma grande parte delas – não consigam assimilar muito bem os constantes lamentos que costumamos encontrar entre os jovens e adolescentes de hoje, notadamente da classe média. Não se iluda com as propagandas oficiais: guardadas as devidas proporções, a barra continua bem pesada para quem está lá no pé da pirâmide social. Desses, você pode esperar, e com razão, queixas e reclamações.
Em uma rede social, há alguns dias, se travou um enorme debate sobre esse assunto, a partir de um texto inteligentemente escrito onde dois jovens fictícios – Enzo e Valentina – eram a personificação da Geração Y. Da era da abundância e da prosperidade, mas também da era das lamúrias desproporcionais à realidade de seus cotidianos. São pejorativamente chamados de geração mi-mi-mi, objeto de incontáveis e divertidas paródias de “jovens” de 35 anos que seguem vivendo na casa dos pais, andando de skate, acordando ao meio-dia e pedindo uma graninha para ir com a galera no cinema.
Diz-se, em favor deles, que desenvolveram um grau de consciência social muito maior ao de seus antepassados. Tudo isso porque são os chamados “ativistas de sofá” – curtem os sites das causas ambientais, assinam manifestos contra a globalização, protestam (criando um meme) contra os maus tratos dos animais.
Eu não os vejo assim, e esta constatação não me traz nenhuma alegria. Minha geração cresceu sob o regime militar; entrei na universidade no mesmo semestre em que ela foi ocupada por tanques do Exército; vi livros, revistas, discos, filmes e peças teatrais serem censurados; nem votar livremente se podia. Eram circunstâncias graves, gravíssimas, mas aquela geração trazia como exemplo os jovens dos anos 60 – rebeldes e revolucionários. Esses mesmos que hoje são avôs e avós tolerantes da garotada que acha a coisa mais natural do mundo não fazer coisa alguma da vida – os chamados nem-nem, a saber que “nem estudam e nem trabalham”.
Se existe mesmo essa empatia com o sofrimento alheio e esse senso de coletividade arraigado nos jovens de hoje, pouco se vê. O mundo, talvez por culpa das gerações que passaram grande apertos, desaguou em uma sociedade onde o “ter” prevalece sobre o “ser”. Não é uma geração inteiramente perdida, mas essencial e sumamente individualista e narcisista, são a pintura em tintas gritantes do humanismo levado aos seus estertores. Sentimentos e emoções sempre acima de qualquer coisa, o “como eu me sinto” acima de tudo. Até que “Enzo e Valentina” me provem o contrário, só o que eles querem mesmo é parecer solidários, engajados, preocupados… São as coisas que mais me incomodam nos ditos millenials.