Então, o ministro da Fazenda que ajudou a retirar o país da maior recessão da história pega o chapéu para ir embora e ninguém fala nada? O ministro Henrique Meirelles está deixando um dos postos mais importantes do governo para abraçar uma candidatura incerta e duvidosa a presidente da República ou a uma suplência de candidatura, à medida que isso exista, e nem os humores se alteram?
O mundo está muito mudado, pelo menos aos olhos de quem acompanha a política desde a redemocratização ou há mais tempo, quando alguns ministros da Fazenda se transformaram em figuras centrais e praticamente intocáveis. Hoje em dia, estamos todos de olho nas decisões do Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal.
Meirelles, que chegou ao governo com Michel Temer, não se aproximou do perfil de “intocável”, embora nunca tenha tido o cargo ameaçado. Não fez por merecer tal ameaça, que, também, não é da natureza de Temer. Velho nome do mercado financeiro, chegou a presidente mundial do antigo BankBoston. Foi presidente do Banco Central durante praticamente todo o governo Lula (2003-2010). Como ministro da Fazenda, a partir de maio de 2016, deu credibilidade ao movimento para recolocar a economia nos trilhos.
O ministro viu frustrado o projeto de reformar a Previdência, que seria o carro-chefe da sua gestão. Vale lembrar que ele levou para a Fazenda a Secretaria da Previdência e indicou como secretário um estudioso da reforma, o economista do IPEA Marcelo Caetano. A história é tão recente que dispensa apresentação.
Em resumo, o governo buscava reunir a maioria qualificada para aprovar a reforma até que bateram na porta da Câmara dos Deputados as denúncias da Procuradoria-Geral da República contra Temer por crimes de corrupção e obstrução de Justiça. A reforma foi engavetada em maio do ano passado, quando foi revelada, pelas mãos do empresário Joesley Batista, a gravação em que o presidente disse o “tem que manter isso, viu”, supostamente para manter o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de bico fechado. E da gaveta não saiu mais, apesar de tímidos acenos em sentido contrário. A intervenção federal na segurança púbica do Rio só fez trancar a fechadura e sumir com a chave.
Cartão de visitas
A PEC do Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95/16), primeira iniciativa de vulto do governo na área fiscal, depois da Desvinculação de Receitas da União (DRU) deu a impressão de que ali estava cartão de visitas dos recém-chegados ao Governo Central, dispostos a construir a chamada “Ponte para o Futuro”, plano de governo apresentado pelo PMDB ainda na gestão de Dilma Rousseff. Durante os dois últimos anos, porém, o governo teve que elevar o déficit primário para fechar as contas, prometendo dias melhores para o futuro.
Meirelles organizou uma equipe de gente competente, colocou o dedo na ferida, mas, em boa medida, transferiu a solução dos problemas para o presidente que vier a ser eleito em outubro.
É provável que isso justifique a indiferença dos agentes econômicos em relação a sua saída. De um lado, deixou a equipe organizada; de outro, já não tinha grandes pretensões como ministro, nada que não possa ser delegado ao seu sucessor, o secretário-executivo Eduardo Guardia.
Junte-se a isso o fato de, por imposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, bem como de outras lideranças políticas, o ministro ter se especializado na arte de engolir sapos. A tendência é piorar, quando passarem a servir iguanas.
* Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise