Desde 2006 no Supremo, a ministra Cármen Lúcia coleciona votos e posicionamentos históricos e sempre foi vista como uma ministra progressista e inovadora na linguagem e no modo de interpretar a Constituição.
Quando ainda era um tabu, a ministra mandou prender o deputado Natan Donadon, também acompanhou Joaquim Barbosa na maioria das condenações do Mensalão, fez dobradinha com o Teori no início da Lava Jato (apoiando a permanência das investigações com Moro, a prisão de Delcídio e o afastamento de Cunha), pronunciou no plenário um “cala a boca já morreu” quando votou contra a censura prévia em biografias e foi uma das maiores defensoras dentro do Tribunal da prisão após segunda instância.
Mas a ascendência da mineira à Presidência do Tribunal, cercada de expectativas, acabou gerando frustração. A primeira grande decepção foi no julgamento da ADPF que definiria se réus poderiam ocupar cargos na linha de substituição da Presidência da República. Após forte tensão com o Senado, Cármen Lúcia articulou um acordo que acabou por permitir a permanência do réu Renan Calheiros (MDB-AL) na presidência da Câmara Alta.
Depois foi o julgamento do recolhimento noturno e afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do Senado. Com o voto-desempate da presidente do STF, o Supremo terminou por dar ao Legislativo a controversa possibilidade de revogar medidas cautelares impostas pelo Judiciário, criando uma confusão Brasil afora. No Rio, por exemplo, teve funcionário da Alerj tirando deputado de presídio sem autorização da Justiça.
Falando em confusão, a questão da prisão após condenação em segunda instância foi outro problema enfrentado pela ministra. Entre pautar e não pautar as ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) que pacificaria a jurisprudência sobre o tema, Cármen optou por levar a plenário o HC preventivo interposto pelo ex-presidente Lula (PT-SP). Até aí, ótima ideia. O problema foi na condução da sessão. Numa aparente falta de pulso e coragem, Cármen levou ao colegiado decisões que são de sua competência, como a da continuidade ou não da sessão de julgamento.
Mas o pior mesmo foi o salvo-conduto dado ao ex-presidente. Furando a fila de vários HCs, o petista garantiu o ovo de páscoa em casa e pôde mais uns dias fazer pré-campanha de uma eleição que não vai participar.
Gilmar Mendes foi outra pedra no sapato da presidente. Sem repreensão nenhuma, o ministro vem dando declarações que vão em desencontro ao que premissa a Lei Orgânica da Magistratura, teve encontros fora da agenda com políticos investigados e gerou instabilidade no colegiado ao provocar colegas com assuntos que não eram objeto de pauta.
Na presidência do CNJ, Cármen Lúcia tentou enfrentar o problema dos super-salários divulgando a folha de pagamento dos magistrados, mas não houve medida saneadora do problema. Tentou ser mais ativa na atuação do órgão no sistema carcerário, mas as medidas práticas foram ineficazes.
No entanto, é preciso destacar que a ministra Cármen é um dos quadros públicos mais íntegros do país. Nessas medidas, não houve qualquer leniência com coisas antirrepublicanas e sim uma preocupação com uma crise institucional ou constitucional.
Mas, apesar da boa vontade em pautar assuntos difíceis, da coragem em enfrentar temas polêmicos, a gestão Cármen Lúcia se perdeu e está mesmo marcada pela impunidade de Aécio, pelo constrangimento de Renan na presidência do Senado, pela imperdível passagem aérea de Marco Aurélio, pelo feriadão prolongado na semana santa, pelo salvo-conduto casuístico e pelo ministro que destrata repórter com xingamentos.
E o pior de tudo é que foi em vão. Não houve melhora na estabilidade institucional do país, no contexto social os ânimos se acirraram, as insatisfações de instâncias inferiores aumentaram e os discursos radicais ganharam novos argumentos com o enfraquecimento do poder Judiciário na opinião pública. Talvez nos últimos seis meses que restam seja uma boa ideia Cármen relembrar os tempos de ministra e enfrentar os problemas com mais perspicaz, coragem e equilíbrio.