A escolha de Sofia do senador Antônio Anastasia (PSDB/MG). Ele foi praticamente obrigado a concorrer ao governo de Minas para salvar a eleição presidencial do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Se vencer, deixa o Senado, e sua ascensão nacional perde ímpeto; se não for eleito, volta para seu mandato final de senador com o estigma de derrotado, o que não é bom na carreira política nas democracias de massa.
Com votação maciça em Minas e São Paulo a chapa está no segundo turno. Daí, com voto útil da esquerda ou o voto desespero da direita, o paulista pode chegar ao Palácio do Planalto.
A contragosto, Anastasia está sendo empurrado de volta ao Palácio da Liberdade (hoje um museu, mas ainda símbolo do poder mineiro). Ele é o único nome capaz de pacificar o PSDB do Estado e agregar todo o descontentamento com o desgaste dos governos petistas, tanto o de Dilma Rousseff, tisnado pelos respingos da Lava Jato, como de Fernando Pimentel, que se equilibra precariamente no mandato e nas agruras da administração. Para isto é preciso desmobilizar o senador Aécio Neves, uma tarefa difícil e ingrata.
O problema de Aécio não seria apenas a rejeição do eleitorado às denúncias que o ex-PGR Rodrigo Janot deixou na rua. Na verdade, o ex-governador ainda não foi condenado, apenas responde a vários inquéritos. Mesmo assim, ele tem um problema interno no PSDB, com sua antiga equipe, que se cansou de seu antigo líder e quer vê-lo longe dos palanques. Só Anastasia tem as condições de preencher esse espaço, mantendo o partido unido e captando todos os descontentamentos, à esquerda e à direta.
É este o drama: qualquer que seja o resultado, como a Sofia de Willian Styron, ele tem de escolher qual de seus filhos entregará ao sacrifício: No governo do Estado sua projeção como líder nacional no palco do Senado perderá ímpeto; se perder a eleição desgasta-se a imagem de vencedor.
A volta de Anastasia às ruas recupera, ainda, um quadro nacional essencial para a candidatura tucana, recompondo a aliança vencedora dos tempos de FHC e Marco Maciel, PSDB/DEM.
O Democratas de Minas dará o vice-presidente de Alckmin, com o nome do recém filiado deputado federal Rodrigo Pacheco, vindo do PMDB e que tinha a simpatia dos tucanos para a candidatura a governador do Estado. Jovem, baixíssima rejeição e com apoio em vários segmentos, a entrada de Pacheco na chapa tucana agrega o sabor do político novo e sem mácula, uma demanda do eleitorado neste momento. O velho Geraldo e o estreante Rodrigo, a dupla perfeita, pensam os marqueteiros. O tradicional café reforçado com leite ainda quente, recém extraído do úbere. Café com leite, a fórmula vencedora nas eleições republicanas brasileiras.
O deslocamento da candidatura de Rodrigo Pacheco para vice-presidente da República resolve dois problemas político-eleitorais. Internamente, em Minas, ele acomoda e mantém unidas as forças anti-petistas. Pacheco saiu do PMDB, seu partido até a semana passada, migrando para o DEM com a promessa de cabeça de chapa para o governo estadual. Seu nome crescia e tinha apoios em todas as áreas, mas teve as asas cortadas pelos caciques tradicionais do PMDB, cuja grande expressão é o ex-governador Newton Cardoso, que estão comprometidos com o PT de Fernando Pimentel. Livre da legenda estigmatizada, Pacheco seria o candidato-novidade. Deixando a vaga para Anastasia e se integrando à chapa nacional ele se mantém no grande jogo e leva consigo a imagem de novidade nas disputas nacionais.
No âmbito nacional, um vice-presidente mineiro na chapa tucana paulista resolve o problema do DEM, que marchava para candidatura própria, com o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, numa missão de sacrifício.
Com o acerto nacional, Maia sai candidato ao governo do Rio de Janeiro com o apoio do PSDB e de fortes segmentos do PMDB amaralista comandado pelo ministro Moreira Franco. Torna-se uma candidatura competitiva.
Consolidada esta situação, o presidente Michel Temer poderá retirar-se dessa perigosa arena eleitoral, em que entrara para apaziguar seu partido ameaçado de esfacelamento. O PMDB do norte e nordeste está com Lula, mas no Sul tenderia a se juntar a Geraldo Alckmin. Entretanto, enquanto o ex-presidente Lula não for barrado, a situação permanece em suspenso e o tempo vai esgarçando a tênue teia peemedebista.
Quanto antes Temer puder desmentir efetivamente sua candidatura, melhor para seu governo. Ninguém acredita que seu lançamento seja para valer, mas não pode ficar muito tempo como cortina de fumaça. A névoa se dissipa e se o meio político acreditar que ele poderá concorrer, o tiroteio começa e ele perde sua formidável sustentação. A base parlamentar do presidente é um fator decisivo na conjuntura, pois com isto ele compensa os ralíssimos índices de popularidade e vence a quase todos seus embates no Congresso.
Além dessa tensão, a permanência de Temer como candidato deixou o ministro Henrique Meireles à deriva. O líder de seu partido, o PSD, Gilberto Kassab é candidato a vice-governador de São Paulo, em dobradinha com o tucano João Dória. Ou seja, que Meirelles não espere legenda nessa agremiação. O plano do atual ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicação é fazer grandes bancadas nos estados e na Câmara. Meirelles poderia ser deputado federal ou pleitear uma vaga no Senado.
Roque no xadrez da politica. As peças até agora imóveis, Antônio Anastasia e Michel Temer fazem esse clássico e grande movimento do tabuleiro, o único em que duas peças se mexem ao mesmo tempo, torre e rei. Com o lance de Anastasia define-se, no quadro nacional, a fórmula secular do café-com-leite, composta pelo arábica Geraldo Alckmin com o leite ainda quentinho recém tirado do úbere Rodrigo Pacheco; no campo do rei, lança-se Michel Temer para reeleição, deixando a pedra da rainha, o pai da recuperação da economia, o ministro Henrique Meireles, à deriva.
Já nas pedras pretas à esquerda, segura-se seu rei (Lula) numa parede de piões até que veja para que lado vai a partida. Jogo de grande mestre ou de trapalhões? Ainda não dá para saber. Vejamos as peças no tabuleiro.
Tudo começou em Minas Gerais.