Uma das histórias de Toninho Drummond

Toninho com Doutor Roberto Marinho e dona Lili de Carvalho. Foto Orlando Brito

Antonio Carlos Drummond era mineiríssimo. Mineiro de Araxá. Mas era, sobretudo, o que se chama de “cidadão do mundo”. Eu, que também nasci em Minas, tive o privilégio de ser jornalista na mesma época de Toninho Drummond e viajar em sua companhia para coberturas as mais variadas por inúmeros países, incontáveis lugares. Durante décadas rasgamos o céu com outros colegas, do Paraguai à França, do Chile ao Japão, da Colômbia ao Canadá, da Argentina aos Estados Unidos, África, Espanha, China, Portugal etc.

Toninho era um verdadeiro, repetindo, cidadão do mundo. Transitava em Belo Horizonte ou Juiz de Fora, Paris ou Nova Iorque com toda desenvoltura. Porém jamais abriu mão um segundo ou um milímetro de sua mineiridade.

Um belo dia, estávamos em Recife. Ele da Tevê Globo, eu fotógrafo da revista Veja. Com outros quinze ou vinte repórteres estávamos em Pernambuco para a cobertura de uma viagem presidencial. Hoje não mais, porém naquela época era costume das redações enviar jornalistas para fazer matérias de fatos importantes.

Pois bem, o presidente cumpriu sua agenda e retornou a Brasília no início da noite. O grupo de jornalistas cumprimos nossa tarefa e cada um tomou um destino. Uns foram visitar parentes, outros conhecer Olinda, etc. Combinei com Toninho tomarmos o café da manhã no dia seguinte cedo no restaurante do hotel à beira mar.

Quando desci do meu apartamento lá já estava meu amigo à mesa, em frente de um pratinho de queijo Minas e de olho na telinha da tevê, atento. Sentei-me e assistimos com outros dois colegas o “Bom Dia Brasil”, programa do qual ele tinha participado da criação, por delegação de Roberto Irineu Marinho.

O fim do jornal coincidiu com o término do café-da-manhã. Descemos e fomos dar uma rápida caminhada no calçadão da Praia de Boa Viagem. O mar verde, com jangadas deslizando no horizonte, o barulho das ondas quebrando nas rochas. De repente, Toninho para, põe a mão na boca, chega perto do meu ouvido e, discretamente, bem à moda mineira, como estivesse contando um segredo, me diz:

– Mr. Brito, estamos muito longe de casa. Olha o tal de mar aí! Nascemos em Minas e moramos em Brasília. Uai, o que nós estamos fazendo nesse fim de mundo?

E não teve quem pudesse segurar o Toninho nem um minuto a mais naquele cenário oceânico. Convenceu a vários a retornar ao hotel, fazer as malar e partir para o aeroporto Guararapes. No avião de volta a Brasília, para bem longe do Atlântico, o amigo esqueceu o cidadão do mundo que era para ser mineiro original. Olhou pela janela do Boeing e comentou com alegria quando viu do alto o Rio São Francisco cortar o interior do Brasil:

Olha lá em baixo que beleza. E parece que o São Francisco nasce lá em Minas Gerais.

Conhecedor do puro refinamento dos comentários do Toninho, fiquei sorrindo também discretamente, como mineiro que igualmente sou, da palavra “parece”. Aquele cuidado para não afirmar nada.

Figuraça, aquele Toninho Drummond, falecido ontem. Vai encher os amigos de saudade.

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