O atentado contra a vereadora Marielle Franco abre as cartas na mesa: ao abater uma expressão de um segmento que tem apoio unânime da população brasileira, o crime organizado (suas duas faces: tráfico armado e milícias) diz que paga para ver.
Nesse pôquer macabro, o asfalto mostrou uma parte de sua mão, que são as forças armadas e policiais apoiadas pelo poder político; agora o crime chama a sociedade a se apresentar no jogo, e que venha com a outra metade das forças políticas que ainda estavam renitentes, como a esquerda e organizações da sociedade civil. Parece estar mandando que todos se juntem e venham com seus triunfos que terão resposta à altura.
A escolha de Marielle para símbolo da resistência do crime foi a dedo. Ela representa todas as causas humanistas, que detêm a unanimidade da sociedade brasileira. Quem é contra as demandas das mulheres? dos negros? dos pobres? Ninguém, em sã consciência. E ainda mais: quem discorda das proteções dos direitos humanos? Ninguém. Todos reconhecem os direitos a avanços nestas áreas. Não há disputa.
Some-se a esse desafio escolher o segmento mais bem organizado, com militâncias ativas e mobilizadas, haja visto a reação imediata no Brasil e até no Exterior à notícia do assassinato da vereadora. Então o crime escolheu o grupo mais coeso e estridente para mostrar sua arrogância. Como a dizer: gritem e protestem, mas daqui ninguém me tira.
Será um osso duro de roer. Terá a democracia capacidade institucional para romper em hostilidades com essas facções? É um pantanal impenetrável: o crime organizado é integrado por: milicianos mantidos pelas pequenas economias (comerciantes e compradores de serviços, como gás, luz, TV a cabo etc.); bandidos armados e receptadores de mercadorias furtadas, lavagem de dinheiro roubado (bancos, caixas eletrônicas e outros) e pelos endinheirados do asfalto que compram drogas mantendo o mercado de varejo; e os corruptos da zona cinzenta, como policiais, servidores, comerciantes e todos os que vivem com um pé de cada lado, geralmente surrupiando dos dois lados. E têm dinheiro.
A batalha das favelas está começando. Certamente vencerá quem tiver o povo a seu lado. O governo legal teria de oferecer mais garantias que nos bandidos. O crime teria de romper a barreira do medo. Esse é o conteúdo psicossocial que está no lastro dessa guerra que se inicia nas periferias do Rio de Janeiro.