Ciente da brecha política estreita para fechar seu acordo comercial com o Mercosul, a União Europeia decidiu responder nesta terça-feira, em Bruxelas, à última cartada do bloco sul-americano. Em Davos, na semana passada, a sueca Cecilia Malmstrom, comissária europeia de Comércio, divulgou que convidara para uma reunião os ministros de Relações Exteriores dos quatros sócios do Mercosul com o objetivo de concluir o acordo. O irlandês Phil Hogan, comissário para Agricultura, estará à mesa.
“A janela (de oportunidade) está se fechando porque o Brasil está se fechando para as eleições. Se perdermos esta oportunidade, vamos precisar de muitos anos (mais denegociações)”, disse Malmstrom à imprensa, atenta à agenda política brasileira de 2018.
Não se trata apenas da janela brasileira. As eleições para a Comissão Europeia, em 2019, podem manter trancadas por mais tempo ainda a oportunidade de conclusão do acordo.
Os negociadores europeus então entre os mais ardilosos, como os brasileiros bem sabem. A onda de ansiedade europeia surge de tempos em tempos, como instrumento de pressão de Bruxelas para convencer o Mercosul de que mais vale um acordo fechado do que insistir em suas demandas. Desta vez, entretanto, a decepção pode ser afastada com uma resposta honesta e compatível à oferta feita pelo Mercosul em dezembro passado, em Buenos Aires.
A cartada do Mercosul foi a apresentação de uma nova oferta atraente para os europeus de acesso mais amplo e rápido de alimentos processados e vinhos. Esta decisão foi arbitrada pelos quatro governos e, certamente, contraria em muito os produtores locais. Mas trouxe uma imensa possibilidade de quebrar as resistências dos europeus em tópicos caros ao Mercosul.
A contrapartida esperada pelos sul-maericanos é o acesso maior carnes, etanol e milho ao mercado europeu. No caso de carnes, o Mercosul demanda uma cota de 200 mil toneladas ao ano com livre acesso – contra a de 70 mil toneladas oferecida pelos europeus no ano passado. Se possível, também se espera maior abertura para o ingresso de trigo, para contentar a Argentina; de carne de carneiro, para agradar o Uruguai; e de arroz, a pedido do Paraguai.
Naquele dia 18 de dezembro, em Buenos Aires, os negociadores europeus se surpreenderam com a proposta. Mas esquivaram-se de aceitá-la no momento porque teriam de submetê-la a consultas técnicas e políticas dos países-membros. Pediram algumas semanas. “Não colocamos a pistola na cabeça deles”, comentou um dos negociadores do Mercosul. “Esperaremos o tempo que for necessário para os europeus fazerem as consultas internas e nos responderem porque sabemos que há chances agora de conclusão do acordo.”
Não há generosidade em negociações comerciais. O Mercosul decidiu não pressionar os europeus porque já há “distrações” demais no velho continente – a saída da Inglaterra do bloco (Brexit), os resquícios do separatismo catalão na Espanha, as dificuldades da Alemanha em compor um governo, entre outros. Uma pressão maior poderia levá-los a engavetar as negociações definitivamente. Ao final da espera, porém, os sul-americanos não fecharão o acordo sem acesso substancial aos mercados de carnes, de milho e de etanol europeus. Seria injustificável internamente.
Como destacou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, de Luxembergo, o acordo comercial com o Mercosul será o maior assinado pela União Europeia, uma vez que as negociações com os Estados Unidos foram abortadas pelo presidente Donald Trump. Será também o maior, mais significativo para o Mercosul. Se as conversas de amanhã em Bruxelas prosperarem, o acordo poderá ser assinado semanas depois. Durante mais oito a nove meses, haverá o detalhamento dos textos e traduções.
Quando entrar em vigor, o acordo imporá compromissos de redução de tarifas ao longo de dez anos para ambos os lados. Também haverá o compromisso de respeitarem uma série de normas relacionadas a conteúdo nacional, propriedade intelectual, acesso de serviços, defesa da concorrência, compras governamentais, entre outros temas. Não haverá, entre esses capítulos, o de proteção de investimentos.
As negociações começeram em 1999 e chegaram a um impasse em 2004, quando foram suspensas. Seis anos mais tarde, foram retomadas, mas caminharam lentamente até a mudança de governos no Brasil (2015) e na Argentina (2016). O próprio Mercosul e sua agenda externa do voltaram às prioridades de ambos os países, o que tornou possível deslanchar as conversas com os europeus e com outros parceiros comerciais. Entre eles, o Canadá, com quem o Mercosul iniciará negociações em breve, e a Coréia do Sul. O Mercosul tem ainda em sua agenda a ampliação do acordo de preferências tarifárias com a Índia e a negociação com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA).