“Vai, ministra…”

Bastaram 53 segundos. Tempo suficiente para que a deputada Cristiane Brasil, já apelidada de Cristiane B., conseguisse o que jamais teria na tribuna da Câmara: audiência. No que parece ser uma lancha, ancorada – imagino eu – em algum porto paradisíaco do litoral fluminense, cercada por quatro homens sem camisa – sem dragão tatuado no espaço, mas com o corpo aberto no espaço -, a deputada, vetada pela Justiça para assumir o Ministério do Trabalho por problemas trabalhistas – maldita redundância – fez uma das defesas mais insólitas da história. Mesmo para os padrões do governo atual.

“Todo mundo tem direito de pedir qualquer coisa na Justiça. Todo mundo pode pedir qualquer coisa abstrata. (Mas) O negócio é o seguinte: ‘quem é que tem direito?’, ainda mais na Justiça do Trabalho. Eu, juro pra vocês, eu juro pra vocês, que eu não achava que eu tinha nada para dever para essas duas pessoas que entraram (com ação) contra mim. E eu vou provar isso em breve”, declarou ela, ao lado dos quatro descamisados, musiquinha ambiente ao fundo. No fim, Cristiane Brasil questiona: “O que pode passar na cabeça das pessoas que entram contra a gente em ações trabalhistas?”. Mas mesmo declarações desse naipe importam menos que o, digamos, cenário.

Quem parece conduzir a filmagem, que bombou na internet, como todo lixo hipnótico que cai na rede, é o marmanjo sarado à sua esquerda (de quem assiste), que praticamente conduz as falas da quase ministra, começando com um “vai, ministra”, não editado. Deve ser o dono do barco ou o pior diretor de cena do planeta. Outro homem perfilado ao lado dela, pede para dar uma declaração “como empresário” e diz que “ação trabalhista toda hora a gente tem”. Todos o ouviram como se fosse uma sacada genial. Em nota, diante da repercussão, a deputada afirmou que a gravação e a divulgação do vídeo foram manifestações espontâneas de um amigo, e que esta “fora do contexto”. Difícil imaginar um contexto pior. Não, espera, dá sim.

Veja o vídeo algumas vezes e tente não rir – ou chorar. Saidinha de praia de crochê, dedo em riste, Cristiane Brasil dá uma aula de anti-comunicação. Qualquer assessor de imprensa com um mínimo de brios se demitiria depois de uma proatividade dessas. O vídeo foi gravado supostamente por um amigo da deputada, mas não foi publicado na página oficial do Facebook dela. Uma certo Top Vídeos postou a pérola. Do Vem pra Rua ao Mídia Ninja, todos nas mídias sociais tiraram, apartidariamente, sarro da cena insólita, que já beira um milhão de visualizações.

Filha do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB e condenado no processo do mensalão, Cristiane Brasil foi anunciada como ministra pelo presidente Michel Temer no dia 3, mas tem enfrentado uma batalha na Justiça para assumir a pasta. A posse de Cristiane estava prevista para o dia 9 de janeiro, mas uma decisão do juiz Leonardo da Costa Couceiro, da 4ª Vara Federal Criminal de Niterói, suspendeu a solenidade um dia antes. O juiz atendeu ação popular que questionava a nomeação após ser revelado que Cristiane Brasil foi condenada a pagar R$ 60 mil por dívidas trabalhistas com dois ex-motoristas.

Desde então, a Advocacia Geral da União recorre para assegurar a posse. A última decisão foi da própria ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, que adiou novamente a posse. O vídeo no barquinho não fere nenhuma legislação trabalhista, mas não ajuda a imagem de quem há três semanas prepara a festa da posse. E mostra o tipo de pessoa que frequenta atualmente os gabinetes na Esplanada dos Ministério.

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Jornalista e analista sênior de informações. Formou-se na Universidade de Brasília em 1987. Por mais de 20 anos, foi repórter, editor, correspondente e chefe de Sucursal em alguns dos principais veículos de comunicação do País: O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Istoé e Correio Braziliense. Trabalhou na FSB Comunicação, onde, por oito anos, foi diretor do núcleo de Mídia & Análise. É diretor de Atendimento da Santafé Ideias, no Rio, além de colaborador da Avenida Comunicação. Também é sócio-fundador da RMPJ e da Revista Tablado. Entre as premiações que recebeu estão o Prêmio Esso de Jornalismo, com a equipe de IstoÉ, e Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. É pai de Bruno e Gabriela.