Numa das faixas do LP Joia, aquele que tem a famosa capa em que aparece nu, ao lado de sua então mulher, Dedé, e de seu filho, Moreno, Caetano Veloso demonstrava a importância que podia ter uma letra P. Acompanhado da banda de pífanos de Caruaru, Caetano começava a letra de “Pipoca Moderna” pontuando uma situação marcada primeiro pela letra N. “E era nada de nem noite de negro não”. Mais adiante, esse quadro sombrio descrito era abalado pela tal presença do P. “Porém, parece que há golpes de P, de pé, de pão, de parecer poder”.
Era 1975. Eram os negros tempos da ditadura militar. E era curioso que Caetano escolhesse o P para ilustrar a resistência àquele sombrio “não”. Porque, na época, essa resistência era representada por um partido sem P, o MDB. Um partido que ganhou o P no início da redemocratização, como uma das últimas imposições definidas pelo regime militar. Um partido que, com o novo nome de PMDB, descaracterizou-se, hoje abrigando uma boa leva de políticos investigados, denunciados e condenados por corrupção, com uma pecha de fisiologismo. Esta semana, o PMDB resolveu eliminar de novo da sua sigla o P. Mas será que tem mesmo alguma chance de retornar ao que era quando se chamava somente MDB? Ou tudo não passará de um mero “golpe de P”?
Desde o seu surgimento na ditadura militar, o MDB convive com certa desconfiança contra ele. O partido surgiu quando a ditadura acabou com o pluripartidarismo e instituiu o bipartidarismo. Só poderia haver um partido a favor do governo, que seria a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e um de oposição, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Estabelecida pela própria ditadura, era, portanto, a oposição consentida, a resistência autorizada, daí a desconfiança. O partido teve que batalhar para demonstrar que, naquele momento, teria de ser mesmo o abrigo possível para uma contestação democrática. E assim cresceu. Os partidos não autorizados, como os comunistas, abrigaram-se nele e o MDB legitimou-se.
Quando a ditadura começou a sentir seus estertores, autorizou o retorno do pluripartidarismo. E, além de impor o P à sigla (todos os partidos a partir daí tinham de se chamar “partido” e ter o P no início), atuou para esvaziá-lo. Os diversos partidos que se abrigavam antes no MDB saíram para criar suas próprias siglas. Do lado do apoio ao governo, ficou incólume a Arena agora com o nome de PDS, que passou mesmo a ser conhecido como “maior partido do ocidente”.
No processo que levou à eleição de Tancredo Neves, o PMDB conheceu momentos de legitimação, sob o comando do ex-deputado Ulysses Guimarães. Mas Tancredo morreu antes de tomar posse. E o presidente virou um estranho no ninho peemedebista, José Sarney, que apenas alguns meses antes era nada menos que o presidente do PDS, comandando a dissidência que resultou no nascimento do PFL e da Aliança Democrática, o movimento que permitiu a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral.
No governo Sarney, o partido foi inchando e se descaracterizando. Foi inclusive essa situação que levou à criação do PSDB: os tucanos nasciam para recuperar o que tinha sido descaracterizado no PMDB. Mas, no poder, os tucanos também incharam e se descaracterizaram. E não foi diferente com o PT na Presidência. O poder atrai.
Agora, o MDB extingue o P em busca de um retorno da identificação da sociedade com seus tempos de glória. Mas não são mais os chamados “autênticos” daquela época que comandam o partido. Mas os que entraram depois. Terá de provar que não é mera estratégia de marketing. Que não é mero “golpe de P”…