Dentro da linha de proteção à saúde e segurança do consumidor, não há setor que tenha sofrido mais intervenção do legislador que a indústria do cigarro; entretanto, em um passado não muito longe os fornecedores de tabaco tinham uma ampla liberdade para vender e divulgar seus produtos. Ainda nos dias de hoje, o consumo de cigarros é associados diretamente como causa da morte de cerca de 200 mil pessoas por ano no Brasil.
O tabaco, aliás, era tido como saudável. Nos Estados Unidos, por exemplo, havia propagandas que ilustravam médicos fumando e qual era a sua marca favorita, outras que recomendavam fumar cigarro para o alívio de diversos males (asma, bronquite, tosse, influenza etc.). Na década de 1930, a tabaqueira Camels lançou a campanha publicitária “For Digestion’s Sake… Smoke Camels” (em tradução livre, Pelo Bem da Digestão… Fume Camels), segundo a qual, e com apoio em alegados estudos científicos, o consumo do cigarro deshor digestão dos alimentos, aumentando a alcalinidade de fluidos digestivos. Havia slogans como “Chesterfield Cigarettes are just as pure as the water you drink”.
Propagandas dessa natureza podiam ser encontradas em diversos países e envolviam adultos, adolescentes e crianças, famosos ou não, de modo a angariar mais e mais consumidores. E diferente não poderia ser o desiderato das campanhas publicitárias, pela sua própria essência.
Entretanto, hoje o que se observa é um cerco crescente à indústria do tabaco, sobretudo, na imposição de mais deveres de informação e advertência, no sentido de desestimular o consumo.
Nesse contexto, o Brasil conta igualmente com a rigidez no dever de informação quanto ao tabagismo, partindo-se já da Lei Maior, ou seja, da Constituição Federal de 1988, que conquanto autoriza, em seu art. 220, parágrafo 4º, a comercialização do tabaco, restringe a publicidade do produto. O texto constitucional adjetiva o tabaco como produto nocivo à saúde e ao meio ambiente e estabelece que, sempre que necessário, ele deverá conter advertência sobre os malefícios de seu uso.
Na esteira da norma constitucional, sobreveio a Lei nº. 9.294, de 15 de julho de 1996 (regulamentada pelo Decreto nº. 2.018, de 1º de outubro de 1996, e com alterações da Lei nº. 12.546, de 2011), que, dentre outras medidas, proibiu o uso do tabaco em recinto coletivo fechado, seja privado ou público, e vedou, em todo o país, a propaganda comercial de produto fumígeno derivado ou não do tabaco.
A lei brasileira prescreve que: não se pode induzir os indivíduos ao consumo do tabaco, associando o seu uso a ideias de bem-estar, saúde, relaxamento, maior êxito na sexualidade ou a práticas esportivas, por exemplo; as embalagens devem conter advertências sobre os prejuízos do fumo, acompanhadas de imagens que sejam compatíveis com o teor da mensagem. O parágrafo sexto do artigo 3º dessa lei preconiza que, a partir de 1º de janeiro de 2016, as embalagens deverão, ainda, ter um texto impresso de advertência adicional ocupando 30% da parte inferior de sua face frontal.
O resultado de toda essa intervenção é que nesse domínio o Brasil tem sido uma referência para as políticas de outros países no combate ao consumo de cigarros. O pais registrou uma queda de 30,7% no número de fumantes nos nove anos que antecederam 2015, como resultado da efetiva aplicação dessas leis e da adoção de outras ações governamentais.
Como se vê, o fabricante de cigarro tem de disponibilizar um rigoroso rol de informações e advertências ao consumidor sobre os malefícios do cigarro. A forte intervenção jamais eliminará o consumo do cigarro, embora , como no caso brasileiro, possa inibi-lo fortemente. Ainda hoje o Brasil tem 25 milhões de fumantes.
A partir de tamanha intervenção, o próximo passo seria a proibição de venda do produto. Entretanto, esta proibição esbarra em um limite intransponível: o direito a autodeterminação ou o livre arbítrio de cada ser humano. O objetivo do legislador é, portanto, elucidar e educar o consumidor de modo que, através da informação ostensiva e adequadamente prestada, reduza-se o consumo do tabaco. Todavia, o limite legal vai até a autonomia do indivíduo. Respeita-se a esfera de liberdade do consumidor, de maneira tal que, mesmo que opte pelo uso do produto, faça-o sob um consentimento informado, consciente dos riscos que o seu comportamento poderá ensejar.