Direita lá. Direita cá?

No momento em que o país discute se sua porção direita, que até então se resguardara, saiu de vez do armário – com um ultraconservador, Jair Bolsonaro, aparecendo no páreo presidencial de 2018 -, parece se consolidar uma guinada à direita na América do Sul. Talvez um ciclo equivalente ao vivido pela esquerda nas décadas anteriores. Essa virada de casaca do eleitorado pode estar presente nas eleições neste domingo, 19/11, quando os chilenos vão às urnas. O favorito para suceder o segundo mandato da socialista Michelle Bachelet é o ex-presidente Sebastián Piñera, um dos homens mais ricos do Chile, da aliança de direita Chile Vamos – líder isolado nas pesquisas eleitorais, inclusive em um possível segundo turno. Piñera se caracterizou na campanha por polêmicas frases de louvor ao ditador Augusto Pinochet. “Se estivesse vivo, votaria em mim”, incorporou.

O senador governista Alejandro Guillier, candidato da coalizão governamental Nueva Mayoría, tem menos da metade das intenções de voto de Piñera. No entanto, as chances de segundo turno são maiores, já que os votos estão fragmentados com oito candidatos na disputa. Num país onde o voto não é obrigatório, a taxa de abstenção pode ser elevadíssima, como aconteceu nas últimas eleições municipais, com participação de apenas 36% dos eleitores.

O Chile pode ser mais um golpe – sem trocadilhos – em um cenário novo que, até agora, tivera seu ponto alto na Argentina. Em 2015, o empresário Mauricio Macri, líder de uma frente de centro-direita opositora de Cristina Kirchner, foi eleito, pondo fim a 12 anos de kirchnerismo. No Equador, um caso curioso: Lenín Moreno, apoiado por Rafael Correa, venceu, mas rompeu com seu tutor político e inclinou-se para o centro, com viés de direita. Com gestos marcantes, como a retirada de funções do vice-presidente Jorge Glas – que também foi vice de Correa – por envolvimento em graves denúncias de corrupção, Glas passou a ser chamado de traidor pelo ex-presidente. Congressistas da Aliança País, que controlam o Parlamento, estão desnorteados.

No Paraguai, o milionário Horacio Cartes trouxe o conservador Partido Colorado de volta ao poder – área de domínio do partido durante 60 anos, incluindo o governo de Alfredo Stroessner, durante a ditadura militar que durou mais de 30 anos. A hegemonia havia sido interrompida em 2008, ano da eleição de Fernando Lugo, que em 2012 sofreu um impeachment relâmpago – notam algum padrão? -, visto como um golpe. No Peru, a reação ao populismo do clã Fujimori permitiu a vitória de Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, sobre Keiko Fujimori, filha do ex-ditador, hoje preso e condenado a 25 anos por crimes contra a humanidade.

Bom, o líder indígena boliviano Evo Morales continua lá, ostentando altíssimos índices de aprovação. E, claro, Nicolás Maduro segue tocando o legado de Chávez na Venezuela. O icônico José Pepe Mujica, no Uruguai, também fez seu sucessor, Tabaré Vázquez. A Argentina segue um país dividido, que não se mede em ciclos, mas passos de Tango. E no Paraguai, Lugo é o político mais popular do país, mesmo fora do Palacio de los López. Guinada à direita, portanto, pero no mucho.

“O atual ascenso de forças de direita na América do Sul é muito diferente de períodos anteriores, como o ciclo militar das décadas de 1960 e 1970 e a onda neoliberal dos anos 1990. No período das ditaduras militares, os governantes chegaram ao poder e buscaram justificar seu exercício truculento com base no cenário global da Guerra Fria e de uma suposta ameaça comunista no plano interno. Já no período neoliberal, os políticos ao estilo Menem e Fernando Henrique se apresentaram como portadores da modernidade, da mudança, do ingresso dos nossos países no mundo maravilhoso da globalização. Era tudo uma balela, mas esse era um discurso com muito poder persuasivo, na época. Em contraste, os direitistas de hoje não têm nada a oferecer exceto o retorno a um modelo neoliberal que fracassou estrepitosamente e, pior, a adoção do neoliberalismo numa versão mais extrema”, aponta Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e Doutor em Ciência Política na USP. “Em condições de democracia, essa suposta onda direitista será revertida rapidamente. Em condições de democracia”, frisou.

E o Brasil? “Não vale incluir o Brasil nessa guinada à direita: não houve uma eleição, único instrumento legítimo para medir os humores da sociedade, para que a esquerdista Dilma Rousseff fosse substituída pelo direitista Michel Temer”, escreveu, em sua coluna de sábado, 16, na Folha de S.Paulo, Clovis Rossi. De fato. Por enquanto, os humores da direita se fazem mais sentir nas redes sociais, o que não é necessariamente um passo para o voto.

Se o Brasil seguirá à esquerda, experiência interrompida com o impeachment de Dilma Rousseff, após 13 anos de PT no poder, ou se rumará para outras bandas, é difícil dizer. Não só pela imprevisibilidade da candidatura Lula – que dependerá dos humores da Justiça -, como pela incerteza sobre o eco de Bolsonaro, agora travestido de liberal para agradar investidores. Difícil vai ser disfarçar o odor insuportável de enxofre vindo do capitão de pijamas.

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