Se o sapo barbudo virou Lulinha paz e amor, porque Bolsonazi não pode emplacar, nos próximos meses, uma versão despacito? Analistas concordam que não será fácil tornar mais palatável a imagem de extremista de direita – associada à homofobia, misoginia, racismo, apologia à tortura, defesa de um estado de exceção, entre outros predicados.
Mas lembram o próprio exemplo de Lula, que arrepiava o chamado mercado como um esquerdista imprevisível, e que, após 13 anos e três duras derrotas consecutivas, completou a metamorfose política que o levou ao Planalto duas vezes, de onde saiu com índices de aprovação históricos para um presidente. Pensando nisso, e em extrapolar seu nicho eleitoral – consequentemente, sair do córner dos 15% na pesquisa estimulada -, Bolsonaro já busca falar para um público fora do espaço dos convertidos.
Uma de suas principais preocupações é mostrar que, mesmo enaltecendo a ditadura, da qual participou como capitão do Exército, quer ser eleito para governar democraticamente, e não para abrir a porteira da caserna.
O Bolsonaro xiita que, como mostrou furo de Veja em outubro de 1987, preparava um plano para explodir bombas de baixa potência para protestar contra os baixos soldos, não existiria mais.
Para o professor David Fleischer, Bolsonaro não tem outra alternativa a não ser “se mover para o centro”.
Isso passa não só por um abrandamento da imagem irascível, como pela escolha de um vice que amplie seu espectro político, além da redação de uma versão sua para a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002 – documento com que Lula conquistou a confiança do mercado e foi essencial para sua vitória. “É curioso dizer isso, mas, no fundo, se Bolsonaro quiser ter chances, tem que repetir o Lula de 2002”, diz o cientista político da UnB.
A “humanização” da imagem de Bolsonaro, que será refletida em seus programas eleitorais, passa até pela produção de um documentário mostrando sua trajetória anterior ao Congresso, onde já acumula sete mandatos, desde o crescimento no Vale do Ribeira, terceiro de seis filhos, que depois de se alistar, ajudou a família. Essa origem simples poderá ajudar o deputado a ir além do voto da classe média – Ibope e Datafolha mostram o pré-candidato como melhor entre ricos e escolarizados – e atrair voto de mulheres e dos mais pobres, principalmente do Nordeste e do Norte do País, sem os quais ninguém se elege.
Como explica o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, diretor-presidente da IBS Consultoria e Pesquisa, a intenção de voto em Bolsonaro reflete os eleitores que se classificam como “de direita” – cerca de 11%, segundo o Datafolha -, acrescidos de parte dos eleitores de centro-direita radicalizados pela crise, pela rejeição ao PT e pela violência. “A única chance do Bolsonaro ir para um segundo turno é polarizar com Lula. O eleitor de direita e centro-direita poderiam votar por exclusão num candidato anti-petista”, avalia o professor da Uerj.
Politicamente, Bolsonaro tem que fazer contas como aqueles times que, na parte intermediária da tabela, dependem de outros resultados para saber se sobem para a zona de classificação ou ficam ameaçados de rebaixamento.
O cenário não é improvável, mas não é seguro. Bolsonaro dificilmente iria para um segundo turno com PT e PSDB disputando com Lula e Alckmin ou Doria – ou um elemento surpresa, como Luciano Huck. Lula teria que se tornar inelegível – a bola está com a segunda instância da Justiça, em Porto Alegre – ou o postulante tucano não poderia superar o deputado-capitão como alternativa anti-PT.
Se Bolsonaro conseguir completar a transformação, porém, vai ter que combinar antes com seus catequizados. Chamados, com escárnio, de Bolsominions, seus raivosos eleitores podem ser alérgicos a qualquer maquiagem no ídolo ultraconservador.