Meirelles foge da maldição dos vice-presidentes

Ministro Henrique Meirelles

O ministro Henrique Meirelles ser candidato a presidente em 2018 é uma incógnita; tanto pode como não ser. O que ele disse com todas as letras que não será é candidato a vice-presidente da República. O arguto banqueiro goiano sabe muito bem dos perigos e tentações desse cargo.

Em nosso país, de tantos, somente o vice-presidente Itamar Franco concluiu o mandato de seu antecessor e passou a faixa presidencial a seu sucessor com glória. Os demais vices pagaram o gostinho da presidência com o fel amargo dos desgostos. Meirelles não quer seguir esta trilha.

A História do Brasil reserva um lugar especial para os vice-presidentes desta república. Em 127 anos de vice-presidencialíssimo, desde que o primeiro deles usurpou o cargo de seu antecessor, 10 vices assumiram o poder, quase um por década. É muito. Nos Estados Unidos, a república mais antiga da era moderna, foram nove vice-presidentes que sentaram na cadeira de Abraham Lincoln desde que George Washington separou as 13 colônias do Império Britânico, em 1775. Se Donald Tromp for “empichado”, como muita gente está esperando, os encostar-se ao Brasil, empossando seu 10º vice.

Presidente Itamar franco e o ministro Fernando Henrique Cardoso. Brasília, 1992. Foto Orlando Brito

A sina dos vice-presidentes começou com o primeiro deles, o marechal Floriano Peixoto, que levou seu antecessor, marechal Deodoro da Fonseca, ao desespero e à renúncia, prometendo cumprir a Constituição convocando eleições diretas. Entretanto, baixou o Estado de Sitio e ficou no poder até o último dia do mandato, assinando leis e decretos como “vice-presidente no exercício da presidência”. Ora, ninguém pode dizer que usurpou o cargo. Nunca passou de vice.

Os marechais Deodoro e Floriano

Floriano é o vice-presidente emblemático, pois entrou para a História como o Marechal de Ferro, consolidador da República, vencedor da guerra civil mais sangrenta dos tempos modernos no Brasil, a chamada Revolução Federalista, e a Revolta da Armada. Venceu a Marinha e os rebeldes terrestres e entregou o poder a um sucessor civil, o paulista Prudente de Morais.

O primeiro presidente civil também teve problemas sérios com seu vice, o médico baiano Manoel Vitorino Pereira. Prudente de Morais adoeceu e teve de pedir licença para tratamento de saúde. Vitorino não teve duvidas: mudou o ministério, mudou o palácio do governo e fez a guerra civil mais desastrada e cruel de nossa História.

A primeira trapalhada foi comprar um palácio, pelo preço absurdo de 1.000 contos de reis, e levar a sede do governo do antigo e tradicional Palácio do Itamaraty para a beira mar, no bairro do Catete. Pior ainda foi mandar o Exército atacar o arraial de Canudos, provocando um desastre militar e um massacre de civis no meio do sertão baiano. Tentou, ainda, tomar o poder definitivamente, mas Prudente de Morais, mal recuperado, voltou ao Rio de Janeiro e tomou as rédeas do governo, dispensando os serviços de seu vice.

Nilo Peçanha. Acervo PR

Houve mais vices no poder, como Nilo Peçanha, negro, que sucedeu Afonso Pena, mas deixou sua marca se militante positivista, criando o Ministério da Agricultura e o Serviço de Proteção ao Índio (atual FUNAI), convidando para seu primeiro chefe o então general Cândido Rondon, o mesmo que deu o nome ao atual estado de Rondônia.

O mais pitoresco historicamente, de todos os vice-presidentes que chegam à presidência foi o mineiro Delfim Moreira, patrono da grande avenida litorânea do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Delfim assumiu porque o presidente eleito para um segundo mandato, Rodrigues Alves, morreu de gripe espanhola. Entretanto, Delfim perdeu a razão, mas não havia condições de fazer uma substituição imediata. Então ele foi mantido no poder, tal como a Rainha Dona Maria I, mãe de Dom João VI, até que se pudesse realizar nova eleição. Delfim “governou” pelas mãos de seu ministro de Viação, também Mineiro Francisco de Melo Franco, até eleição e posse do novo chefe do executivo, Epitácio Pessoa.
(Um parêntesis: os dois presidentes que voltaram morreram no cargo: esse Campos Salles e, depois, Getúlio Vargas. Não estamos falando de reeleição, mas de novo período).

Café Filho e Getúlio Vargas. Foto FGV

Depois disso ainda houve outros casos complicados, como o do pernambucano Estácio Coimbra. Porém o mais dramático de todos os governos de vice-presidente foi o do rio-grandense do norte João Café Filho, que conspirou com os golpistas contra Getúlio Vargas. Com a morte do caudilho gaúcho, Café assumiu a presidência, mas acabou deposto por seu ministro da Guerra (atualmente Comandante do Exército), marechal Henrique Teixeira Lott e morreu no ostracismo.

Também deve ser anotada a participação do vice-presidente mineiro Aureliano Chaves, vice do general João Figueiredo. O presidente semi-ditador teve de ir para os Estados Unidos para uma cirurgia cardíaca, deixando no cargo seu vice. Sentado na cadeira do chefe do palácio do Planalto, Aureliano começou a tomar providências (inclusive enfrentando a comunidade de segurança) e gosto pelo cargo, obtendo apoios significativos. Figueiredo também teve de regressar da América do Norte.
Enfim veio o mineiro Itamar Franco, político experimentado, que deixou sua marca na História com a reabilitação da economia do País, com seu Plano Real. Elegeu seu sucessor e continuou na ativa, eleito governador de Minas Gerais e faleceu como Senador da República.

A

Michel Temer e Dilma Rousseff

gora estamos em nova temporada com Michel Temer. Ao contrário de outros vice-presidentes, que normalmente substituíram presidentes paulistas, este entrou no lugar da mineira Dilma Rousseff, derrubada por um impeachment, como se sabe. Então o paulista inverte a ordem da fórmula consagrada do Café com Leite: presidente paulista e vice-mineiro. Desta vez Dilma foi o leite derramado e Michel Temer o café sem açúcar.

Temer seguiu a tradição dos vices, conspirando para derrubar seu presidente, tal como Floriano Peixoto, Vitorino Pereira, Café Filho e Aureliano Chaves. O papel de Itamar na queda do presidente Fernando Collor ainda não foi suficientemente estudado pelos historiadores.

Quanto a Temer, ainda falta um ano para concluir a novela. Será mantida a maldição dos vices presidentes?

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Jornalista há mais de 40 anos na imprensa econômica, foi editor executivo da revista Exame, editor e diretor da Gazeta Mercantil, editor chefe do Jornal da Globo e diretor geral de Jornalismo da Rede Bandeirantes. Foi repórter dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, das revistas Realidade e Veja. Na televisão foi integrante da bancada do programa Crítica&Autocrítica da Rede Bandeirantes e âncora do programa Primeira Página da TV Nacional de Brasília. Autor, dentre outros, dos livros “Os Senhores da Guerra” (L&PM Editores) e “Cem Anos de Guerra no Continente Americano” (Editora Record). Produtor e roteirista de longas-metragens.