Foi ele mesmo quem disse certa vez: Luiz Inácio Lula da Silva é uma “metamorfose ambulante”. Ainda que se escore na canção já clássica de Raul Seixas para tentar transformar isso num elogio, o fato é que não se deve nunca esperar muito de Lula coerência no que ele fala. Suas falas vão ao sabor da plateia e da conveniência, conforme o recado que deseja passar. Na entrevista que deu ao jornal espanhol “El Mundo”, Lula resolveu criticar Dilma. No mesmo ponto pelo qual os oposicionistas a criticaram muito no seu governo e, na época, batizaram de “estelionato eleitoral”.
Ao jornal espanhol, Lula disse que o povo “se sentiu traído” por Dilma quando ela fez o ajuste fiscal, levado à frente por seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “O povo se sentiu traído”, nas palavras de Lula, porque na campanha eleitoral disse que não faria, que não reduziria as despesas especialmente dos seus programas sociais.
Bem, é Lula agora ratificando, a seu modo, o que a oposição passou o tempo inteiro falando de Dilma em seu governo. É Lula agora ratificando, a seu modo, o que fez com que Dilma tivesse, desde o início, popularidade baixíssima e pouco apoio, tornando inviável o seu governo. O resultado é que Dilma, incapaz de reagir, foi vendo ser construída a sua deposição, muito menos por um eventual crime de responsabilidade cometido e muito mais pela perda mesmo das suas condições políticas para permanecer.
A nova metamorfose de Lula certamente está inserida nos cálculos que faz para o retorno à disputa eleitoral em 2018. É dizer: Dilma desviou-se dos planos originais de Lula, embananou-se e deixou o país em crise. Ele, Lula, deve voltar agora para consertar os estragos e recolocar o país nos trilhos. Para reforçar isso, ele diz ao jornal El Mundo que deveria ter sido ele o candidato em 2014, e não Dilma na sua reeleição. Chega a dizer – é preciso confirmar se é isso mesmo com a própria – que Dilma também hoje considera que teria sido melhor que fosse Lula o candidato.
Ainda que seja preciso se esperar a próxima metamorfose, há problemas nesse raciocínio formulado por Lula. É muito difícil primeiro se desvincular Dilma de Lula. Na primeira campanha, ela era conhecida pelo eleitorado como a “mulher do Lula”. Ou seja: votava-se nela porque era Lula quem estava indicando. De certa forma, não era muito diferente na segunda campanha: mesmo Dilma tendo se tornado bem mais conhecida por já ser a presidente, ela seguia sendo a “mulher do Lula”. Todos sabem que, sendo o criador, Lula era também um dos principais conselheiros de Dilma. Torna-se, assim, meio difícil que ele consiga desvincular-se de responsabilidade pelos eventuais erros cometidos por Dilma em seu segundo governo.
O segundo problema está relacionado àquilo que o intelectual de esquerda paquistanês Tariq Ali avalia em entrevista à BBC, já comentada por aqui. Lula ratifica também nossa falência na produção de alternativas políticas. Segundo seu próprio raciocínio: é ele ou ele. Deveria ter sido ele, segundo ele mesmo diz, em 2014. Mais adiante na mesma entrevista, a metamorfose ambulante diz sobre se será mesmo candidato, que “ninguém é imprescindível”. E que há “milhares de Lulas”. É a antítese de tudo o que ele mesmo vinha dizendo antes. Aliás, é a manchete da entrevista no site do jornal espanhol: “Ninguém sabe cuidar como eu do povo necessitado”. Ou seja: quando não foi Lula, não deu certo. E só Lula conserta. E ninguém sabe fazer como ele. Até o lançamento da nova versão…