As capas pretas balouçantes que ornamentam as costas dos senhores e senhoras, com seus ares vetustos, de “notório saber jurídico”, deveriam ser um símbolo da sobriedade, do comedimento e do equilíbrio. Afinal, a Justiça é uma senhora de olhos vendados que carrega nas mãos uma balança. Ou seja: julga sem olhar a quem, sempre usando os mesmos pesos e medidas. Há algum tempo, porém, os ares do Supremo Tribunal Federal vêm perdendo essa sobriedade e aquele palco quadrado no qual os onze ministros ficam sentados ao centro vai ganhando mesmo, na melhor das hipóteses, um aspecto de teatro de arena. Na pior das hipóteses, de reles programa de auditório mesmo.
A querela entre o ministro Gilmar Mendes e o Ministério Público é o ápice desse momento. Um verdadeiro barraco de toga. É duríssima a carta que a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) encaminhou aos ministros do Supremo pedindo a eles que contenham os modos do douto colega especialista em direito germânico. A querela segue no português escorreito que os tribunais professam. Traduzido, no entanto, o conteúdo pode ser encontrado em qualquer torcida organizada pelos estádios do país.
“Excelentíssimos ministros, não é de hoje que causa perplexidade ao país a desenvoltura com que o ministro Gilmar Mendes se envolve no debate público, dos mais diversos temas, fora dos autos, fugindo, assim do papel e do cuidado que se espera de um juiz, ainda que da Corte Suprema”, diz a carta dos procuradores. Que, mais adiante, afirma parecer que Gilmar assim se comporta “não desprovido de intenções políticas”.
Por outro lado, os procuradores exemplificam sua reclamação dizendo que em determinado momento Gilmar os chamou de “trêfegos e barulhentos”. Bem, sem nenhuma intenção de defender Gilmar Mendes, é preciso dizer que os procuradores, no parágrafo reproduzido acima mais ou menos estão o chamando justamente de “trêfego e barulhento”.
Têm razão os procuradores, porém, quando dizem que todas essas querelas estão provocando “um longo desgaste ao STF e à Justiça brasileira”. Na verdade, todo esse processo que tem como centro a Operação Lava-Jato vem causando um longo desgaste a todas as instituições brasileiras. Trata-se de um complicado processo de depuração das práticas políticas brasileiras. Mas com diversos grandes méritos e acertos. Mas também com diversas distorções. Todos os reveses que vêm enfrentando figuras como o presidente Michel Temer ou notórios hoje presidiários como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral mostram que não se tratava somente de algo destinado a apear do poder o PT e seus principais personagens. Mas também não seria prudente dizer que todas as ações e decisões tomadas por representantes do Ministério Público ou da Justiça – incluindo o Supremo – tenham sido totalmente isentas de motivação política.
Com seu estilo, digamos, peculiar, Gilmar Mendes vai se tornando um dos ápices dos problemas decorrentes desse processo. Ele, de fato, fala sobre tudo e sobre todos, dentro e fora dos autos. Sem parecer fazer muita questão de evitar ser polêmico. É complicado ser padrinho da filha de uma pessoa e não se considerar impedido de julgá-la depois.
Àqueles que não usam toga, parece ficar claro o caráter pessoal na questão. O risco é não ter virado também pessoal a querela entre o ministro Gilmar, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e os demais procuradores. Não parece ser a um barraco de toga o que os cidadãos brasileiros desejam assistir…