Depois que estourou o mensalão, todo o projeto de poder que o PT naquele momento desenhava começou a cair por terra. Os nomes que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva reservava para a sua sucessão foram todos se enredando nas denúncias que começaram a surgir: José Dirceu e Antonio Palocci, especialmente. Lula, diante das conquistas sociais concretas que de fato conseguiu sustentar por um bom período, foi capaz mais tarde de reverter a situação e se reelegeu. Destruídos os seus planos originais de sucessão, sacou do bolso do colete Dilma Rousseff. O resto é história. Agora, a prisão de Geddel Vieira Lima começa a pintar cenário semelhante para Michel Temer e os planos do PMDB.
Registre-se aqui que a intenção não é comparar nem biografias nem projetos de poder. Mas apenas a repetição do mesmo processo de destruição dos núcleos duros formados no PT e no PMDB na busca dos seus objetivos. No caso do PT, o partido preparou-se para ser de fato alternativa de poder, no sentido de ser protagonista em governos eleitos democraticamente. E, nesse projeto, a ideia era ter Dirceu e Palocci como as opções de sucessão de Lula. No caso do PMDB, a opção do partido foi sair desse protagonismo para ser o parceiro preferencial de qualquer governo. No eufemismo que o PMDB criou para explicar isso, ser a “garantia de governabilidade”. No comando do partido por quase vinte anos, Temer foi o principal construtor desse projeto peemedebista. E Geddel um dos seus principais parceiros.
Ao lado de outros nomes também a essa altura bastante fustigados. O ex-deputado Henrique Eduardo Alves, também preso, é um deles. Os ministros Moreira Franco, da Secretaria Geral de Governo, e Eliseu Padilha, da Casa Civil, outros dois. Assim como aconteceu com o PT no mensalão, a atual fase de denúncias da Lava-Jato vai minando o núcleo duro de Temer. Com o agravante de que ele próprio agora é um dos alvos da investigação, coisa que não aconteceu com Lula naquele momento do mensalão.
Para entender o que isso representa para Temer, é preciso retornar à história do PMDB desde que incorporou o P à sua legenda após a redemocratização do país. Na ditadura, o partido então comandado por Ulysses Guimarães era a frente de resistência ao regime militar. Como frente, incorporava tudo e todos os que não estivessem alinhados ao governo, de moderados a radicais. Depois da redemocratização, tornou-se o partido no poder, com José Sarney. E passou por um processo de descaracterização e inchaço, que de certa forma repetiu-se depois com o PSDB e o PT. Criado como reação a esse processo de inchaço, o PSDB viu-se igual quando chegou ao poder. O então ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso, Sergio Motta, dizia que virara um “partido-ônibus”, onde sempre cabe mais um e não se faz distinção de passageiro. Também o PT passou por coisa semelhante, ou não admitiria, por exemplo, alguém como o ex-senador Delcídio Amaral nos seus quadros.
Ao mesmo tempo que inchava, o PMDB ia ganhando diversas divisões internas. Era uma confederação de caciques regionais, unidos em torno de interesses comuns. Após a morte de Ulysses Guimarães, mas especialmente depois da ascensão de Temer ao comando, surgiu uma divisão entre os peemedebistas da Câmara e do Senado. Temer foi sempre o comandante do PMDB da Câmara, com Geddel, Henrique e Moreira como seus escudeiros. No Senado, despontavam figuras como Sarney e Renan Calheiros.
Assim, Geddel preso significa a prisão de alguém que sempre partilhou dos planos e projetos de Temer à frente do PMDB. Para o bem e para o mal, Geddel sabe como poucos que planos e projetos foram esses. Na melhor das hipóteses para Temer, a queda de Geddel significa a necessidade de um rearranjo da estratégia que vinha sendo pensada. Como aconteceu com o PT quando Lula viu despedaçado o que planejara inicialmente. O problema de Temer: ele precisará pensar nesse rearranjo ao mesmo tempo em que pensa em salvar a própria pele.