Ele tem apenas 17 anos. A partir de agora, ele ostenta em sua testa a seguinte frase: “Eu sou ladrão e vacilão”. Talvez ele tenha mesmo “vacilado”. É, como admite, usuário de drogas. Sem saber o que fazia, ele entrou em um condomínio. Se ia mesmo ou não roubar uma bicicleta, não se sabe. Mas do condomínio ele saiu com a marca na testa, talvez impossível de vir a ser um dia removida.
O adolescente foi vítima de um processo de justiçamento. Dois valentões imaginaram que podiam, eles mesmos, com sua violência e métodos toscos, ensinar uma “lição” ao rapaz. Que possibilidade de recuperação pode ser dada a alguém que, logo no início de sua vida adulta, fica literalmente marcado assim por um erro cometido? Quem dará trabalho a alguém que ostenta na sua testa os títulos de “ladrão e vacilão”? Que chance esses dois homens deram a esse adolescente?
O caso do adolescente que teve sua testa tatuada por supostamente tentar roubar uma bicicleta é um dos acontecimentos que acontecem fora do mundo das togas e dos ambientes refrigerados dos tribunais superiores. Impossível deixar de lembrar que ambos – o mundo do garoto da testa tatuada e o mundo das salas dos tribunais – fazem parte do mesmo país. No mesmo Brasil em que tatuaram a testa do rapaz, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na semana passada, resolveu, por razões de ordem técnica, desconsiderar provas e testemunhos surgidos mais recentemente para absolver a chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer que venceu as últimas eleições presidenciais.
Como disse em entrevista o presidente do TSE, Gilmar Mendes, nem sempre o mais correto para os juízes é seguir a “Vox Populi” (a voz do povo). Talvez os ministros tivessem suas razões técnicas e jurídicas para julgar como julgaram. Talvez agravassem a crise institucional se tivessem tomado decisão diferente. Por outro lado, as decisões que os ministros tomam de alguma forma repercutem no mundo aqui fora.
Se alguém julga correto fazer justiça com as próprias mãos, é justo supor que seja por considerar que a Justiça de fato não funciona. Talvez por esperar exemplos melhores de cima. Mas qual será a leitura mais justa? A sensação é fruto de fato de uma Justiça mais lenta ou será provocada pela pressão por acelerar ainda mais uma Justiça que hoje passou, como não fazia antes, a prender políticos, autoridades, empresários, corruptos e corruptores?
Se o TSE não julgou a chapa Dilma/Temer da forma como a opinião pública gostaria, é preciso lembrar que estão ou passaram pela cadeia nos últimos meses o maior empreiteiro do país, Marcelo Odebrecht, um ex-ministro da Casa Civil como José Dirceu, governadores, senadores, ex-presidentes da Câmara, etc. Faz-se, a partir do trabalho da Justiça e do Ministério Público, um processo de depuração nunca visto na história do país.
Num país acostumado com a impunidade, fica talvez a sensação de que todo avanço precisa ser vigiado com lupa. Que pode acabar com rapidez semelhante à que começou. Dentro do vaticínio da já famosa conversa entre o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado: “Tira a Dilma, põe o Michel” e aí se controla tudo. Com razões para ser descrente, a população reage. Espera sempre que um grande acerto político pare tudo. Até porque sempre foi assim, neste país onde parece imperar sempre a máxima do “Leopardo” de Lampedusa: “É preciso que algo mude para que tudo permaneça como está”.
Nada disso autoriza alguém a se achar no direito de tatuar frases na testa de um adolescente. Nada disso autoriza alguém a achar que pode substituir pessoalmente a Justiça nas suas questões particulares. Os tribunais não podem esquecer das suas razões técnicos e daquilo que lhes ensinam os livros de Direito. Mas precisam entender o que há no mundo do lado de fora. E como o mundo do lado de fora enxerga e interpreta as decisões que se toma lá dentro.