Como repetem passivamente alguns cientistas políticos e jornalistas, no Congresso Nacional nada que preste germina. De acordo com outra premissa surrada, o Parlamento não representa os brasileiros.
Afinal, como sabido à larga, deputados e senadores chegaram em Brasília a pé. Os votos livres que os elegem e reelegem são uma abstração. Na esteira deste raciocínio, a culpa é sempre do eleito, nunca do eleitor.
Não ocorre àquela grei que o fato de um parlamentar buscar vantagens pessoais (e a maioria faz exatamente isto) não o impede de atender o eleitorado. Contraditório? O mundo não é linear; tampouco a política.
Na quinta, 6, o presidente Michel Temer anunciou mudanças na Nova Previdência. Desfez, de uma tacada, a maioria das maldades embutidas na PEC 287 – que, no seu bojo, mistura previdência com distribuição de renda.
As mudanças preservam benefícios de boa parte da base da pirâmide social brasileira. Pequenos agricultores, os beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e viúvas pensionistas estão entre os alcançados pelo refluxo presidencial.
Criticado por ter cedido à pressão parlamentar, Temer justificou-se. Disse que não recuou, apenas prestou “obediência ao que o Congresso Nacional sugere”.
É evidente que o presidente recuou. E isso é bom. Tiranos desprezam quem tem votos; democratas cedem, buscam o consenso.
Diferente do presidente, que sofre pressão filtrada pela posição geralmente inexpugnável da presidência, os parlamentares vão às bases toda a semana. E mesmo no prédio do Parlamento, permeável à sociedade organizada, se expõem a múltiplos interesses.
O mesmo grupo lá do primeiro parágrafo argumenta que deputados e senadores estão de olho nas eleições em 2018. Também verdade. Diferente dos que têm cargos vitalícios, políticos precisam ouvir o eleitor.
Democracia pressupõe igualdade
A decisão de Temer representa menos R$ 115 bilhões no erário nos próximos dez anos. Ou, de outra perspectiva, mais R$ 115 bilhões no bolso do povaréu.
Com a decisão, o presidente-tampão se redime um pouco das bondades conferidas a quem tem renda e emprego garantidos. Ainda interino, decidiu desembolsar R$ 67,7 bilhões para “pacificar” o funcionalismo público, casta privilegiada em meio à penúria nacional.
Pouco depois, já com emprego garantido, Temer concedeu mais R$ 11,2 bilhões para oito categorias de servidores. A prebenda inclui bônus de produtividade para inativos.
A Nova Previdência é necessária porque não há recursos suficientes. É realista porque se rende à demografia.
É justa porque concorre para dar a todos os mesmos direitos previdenciários, reduzindo privilégios que fomentam a desigualdade. Esta essência da reforma foi preservada.
Os parlamentares ouviram os eleitores. Temer cedeu ao Parlamento. Assim funciona uma democracia.