Enquanto o país indignava-se com o inominável comportamento do ator José Mayer, denunciado pela figurinista Susllem Tonani, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) dizia numa palestra no Clube Hebraica no Rio de Janeiro que tem cinco filhos, sendo quatro homens e a quinta uma mulher, porque “ele deu uma fraquejada”.
As duas situações foram quase paralelas. Segundo o relato de Susllem, ela foi vítima do assédio de José Mayer. Que foi subindo de tom à medida que ela negava seus avanços. De tiradas constrangedoras, Mayer evoluiu para passar a mão nas partes íntimas da figurinista sem o seu consentimento até chamá-la de “vaca”. Fica evidente que o galã de telenovela comportou-se como quem se acha maior, superior, por ser homem, por ser “macho”. E, aí, temos Bolsonaro, entre outras ignomínias, dizendo que sua filha não nasceu homem porque ele “deu uma fraquejada”. Ou seja: aos olhos de Bolsonaro, sua filha, com relação aos seus filhos, é menor, é inferior, é mais fraca. As palavras de Bolsonaro dão aval à ação de José Mayer. E essa é uma das tristezas dos nossos dias.
Os dois acontecimentos que aconteceram paralelos compõem um retrato dos nossos tempos. E de como a política extrapola a mera disputa partidária e é coisa que se impregna e define os nossos comportamentos. A reação encabeçada pelas mulheres da TV Globo aos atos de José Mayer são a contraface da evolução do comportamento conservador que legitima Jair Bolsonaro. A ação de Mayer é o grave alerta de que é preciso levar Bolsonaro a sério.
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O crescimento do pensamento conservador, ao qual se associa Jair Bolsonaro, não é hoje ligado tanto a temas políticos e econômicos como foi no passado. Bem menos do que uma reação a discursos de igualdade econômica e redução da pobreza, que marcaram o embate esquerda/direita no passado, o discurso conservador atual é mais ligado aos temas da moral, do comportamento. Estão relacionados também a certo crescimento religioso, que condena questões como a homossexualidade, o aborto. Que ataca minorias. O mesmo Bolsonaro que disse que sua filha era fruto de uma “fraquejada”, disse que os afrodescendentes oriundos das comunidades quilombolas não serviam “nem para procriar”. Disse que japonês não pede esmola porque é “uma raça que tem vergonha na cara”.
Durante um tempo, muita gente imaginou que a melhor forma de lidar com Bolsonaro era ignorar as suas profundas besteiras. Até se perceber que havia uma parcela silenciosa da sociedade que, infelizmente, pensava como ele. Uma parcela que nos últimos tempos perdeu a vergonha de se revelar. Nos Estados Unidos, movimento semelhante elegeu presidente da República a franja cor de laranja de Donald Trump.
Não é que José Mayer, politicamente, seja necessariamente um eleitor de Bolsonaro por conta de seu comportamento machista. O que ocorre é que ele, como até mesmo admitiu na carta em que reconhece seus erros, até então julgava que a forma como se comportara com a figurinista Susllem era aceitável. Fruto, disse ele, da educação machista da sua geração.
Não, não é aceitável. Como também não é aceitável ele querer generalizar seu comportamento como algo inerente a toda a sua geração de homens. Mas é preciso que se diga que Mayer não está sozinho. Se hoje ninguém lhe aplaude, há muita gente aplaudindo Bolsonaro. Aquele que virou réu por dizer que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) por ser ela “muito feia” (ou seja, se fosse bonita, ele admitia a violência). Aquele que chama a sua filha de “fraquejada”. Se condenamos o comportamento de José Mayer, se somos todos Susllem, não podemos jamais ser Bolsonaro.