O depoimento do empresário Emilio Odebrecht ao juiz Sergio Moro, que acabou vazando, segundo a informação oficial, por falha da Justiça Federal, surpreende pelo que tem de óbvio. Emilio Odebrecht diz que “sempre existiu” caixa dois na sua empresa. Que sempre saiu das obras dinheiro para financiar de maneira não oficial os políticos e as suas campanhas. Que foi assim no período mais recente, quando a empresa era dirigida por seu filho Marcelo Odebrecht. Que era assim quando era tocada por ele. E que era assim quando o chefe era seu pai. Ou seja: caixa dois na Odebrecht é igual lema de empresa antiga: “De pai para filho desde mil novecentos e bolinha”. Eis o óbvio: há décadas que todo mundo sabe disso.
Porque sempre foi assim não apenas com a Odebrecht, mas em qualquer empresa dedicada a fazer obras na República Federativa do Brasil. O que fica de forte nas declarações de Emilio Odebrecht é um certo tom de surpresa agora pelos problemas criminais pelos quais a empreiteira está passando por conta dessa prática. É bom sempre repetir: ainda que se possa discutir eventuais distorções e exageros em alguns momentos, a Operação Lava-Jato não é algo que tenha se destinado exclusivamente a apear do poder determinado partido ou grupo político. A Lava-Jato questiona a forma como a política vem se financiando, e a relação que se estabeleceu entre financiadores e financiados.
O Brasil, vivendo um processo de plenitude democrática que ainda é relativamente recente – começou somente em 1985 com o fim da ditadura militar e só começou a receber arcabouço jurídico democrático a partir da Constituição de 1988 – vai aperfeiçoando os hábitos e regras da sua democracia. O que “sempre existiu” e era tolerado, vai deixando de ser tolerado para, é o que se espera, em algum momento deixar de existir.
Na década de 1920, o então presidente Washington Luís já tinha o seguinte como lema: “Governar é abrir estradas”. E lá se foram milhares de quilômetros de rodovias sendo feitas pelo país. A principal de Washington Luís foi a estrada que liga o Rio de Janeiro a Belo Horizonte, a atual BR-040, que hoje também liga Belo Horizonte a Brasília. Claro que as estradas ajudaram a integrar o país e colaboraram com a promoção do desenvolvimento. Mas a escolha do modelo rodoviário não foi um acaso, e o país até hoje padece por isso. Ao longo do tempo, as construtoras foram ampliando e especializando suas relações com os governos. Juscelino Kubitschek construiu Brasília. Os militares fizeram obras faraônicas, como a Ponte Rio-Niterói, a Hidrelétrica de Itaipu, etc. As empreiteiras foram crescendo, se agigantando.
Como diz Emilio Odebrecht no seu depoimento, antes era mais simples, e o processo foi se sofisticando à medida que foi se ampliando e sofisticando sua participação, com obras primeiro imensas, depois internacionais.
Que fique claro que ninguém está aqui jogando suspeitas sobre qualquer um dos governantes que passaram pelo país ao longo da sua história. Estamos somente falando do processo que fez crescer as empreiteiras e sobre seus maus hábitos – e quem fala agora desses maus hábitos é o dono da maior dessas empresas.
O lema de Washington Luís evoluiu, na prática, para “governar é fazer obras”. E “fazer obras” para fazer caixa. Caixa Um ou Caixa Dois. Nesse processo de pai para filho que agora parece deixar de ser tolerado. Assim, o que era rotina vira motivo de cadeia. Marcelo Odebrecht que o diga….