Enterro de criança recém-nascida. Cidade de Aprazível. Ceará, 1996.
Nos últimos anos, a taxa de mortalidade infantil no Brasil caiu em torno de 47 por cento, segundo dados do Censo do IBGE. Até o ano de 2000, em cada mil crianças nascidas, pelo menos uma morria antes de completar 12 meses de idade.
“Diante da Dor dos Outros” é um livro muito interessante, essencial especialmente para um fotógrafo. A escritora e crítica de arte americana Susan Sontag, falecida em 2004, aborda com maestria um tema pouco comum: o que sente um fotógrafo ao retratar o sofrimento de uma pessoa vitimada por uma tragédia, um acidente, enfim, a morte de um ente querido. Ela cita em vários momentos de seu livro o sofrimento que invade um fotógrafo em situações em que ele se depara com momentos que requerem extrema sensibilidade, em que a vida está por um fio.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o fotógrafo sul-africano Kevin Carter após ser premiado com o Prêmio Pulitzer de Fotografia de 1993. Sua imagem é terrível: mostra uma criança pobre no Sudão, vítima da guerra, rastejando em busca de alguma comida. Logo atrás, um abutre à espreita, como se para a ave de rapina também a menina fosse um alimento. A foto suscitou à época uma discussão ética. Carter fez o clic, enxotou o abutre e partiu em busca de novas imagens. Ninguém sabe o que aconteceu à menininha faminta. Mas Kevin não resistiu o efeito psicológico por ter visto de perto e transformar em foto a dor dos outros: suicidou-se no ano seguinte.
Certa vez eu viajava pelo interior do Ceará com o amigo Evandro Teixeira porque fazemos há anos um trabalho sobre o Nordeste brasileiro. Numa manhã, paramos o automóvel para fazer, cada um do seu ponto de vista, essa foto aí, que é bem uma mostra do tema “diante da dor dos outros”: o pai, seguido pela mulher com um bebê no colo e outro filho, leva nos braços para o cemitério o caixão do caçula morto. Triste, muito triste. Nem Evandro nem eu tivemos espírito para amenidades. A dor daquela família que fotografamos nos venceu.
Susan Sontag, enfim, tinha toda razão. Quantas vezes eu mesmo tive e tenho de demonstrar frieza para, cara-a-cara com a desgraça, ficar indiferente a ela. Indiferença não, aparente distância. Mas, em minha profissão, com a câmara pendurada no pescoço, não há como deixar de registrar uma realidade nada agradável.
Orlando Brito