Itamar Garcez
À medida que a Operação Lava-Jato segue encarcerando meliantes do erário, sedimenta-se a premência da reforma do sistema político brasileiro. Não há uma solução única, tampouco mágica. Muito menos consensual.
Se a unanimidade não chega – nem chegará, ainda bem -, busque-se a maioria. Sem a possibilidade de uma reforma global, a votação em partes é a alternativa.
É o caso da cláusula de barreira, aprovada em primeiro turno pelo Senado. Membro do minúsculo PSOL, o deputado Chico Alencar criticou a proposta em artigo para a Folha de S. Paulo (19). Falou em causa própria, o que não tira sua legitimidade de condenar a mudança patrocinada pelas grandes siglas.
Por honestidade intelectual, ou por estratégia retórica, ele reconhece a deformidade do sistema brasileiro ao admitir que fundar um partido no Brasil “virou bom negócio”. Óbvio ululante, mas “fato” imprescindível nesse debate.
A defesa destes nanicos, como PPS e PCdoB, estriba-se na premissa de que parte dos pequenos é ideológica. Assim, instituir a cláusula não separa o joio do trigo.
Certo, então vamos acabar apenas com os pequenos partidos de aluguel – ou para alugar – e preservar os sérios? Eis o nó górdio. Ninguém achou, até aqui, esta fórmula.
Sobram duas possibilidades: ou preservam-se todos, ou desbasta-se o quadro partidário. Ressalva também óbvia, mas essencial: a criação de partidos continuará livre. A restrição se fixará no funcionamento parlamentar, e no acesso ao fundo partidário e às redes de rádio e TV.
Alencar cita o caso da Espanha, onde a “proliferação” de novos agrupamentos partidários indica a “fragmentação” da sociedade. Ocorre que o surgimento de novos partidos, como o legítimo Podemos, provocou impasse a ponto de dificultar a formação do gabinete parlamentarista espanhol.
Escreve ainda o deputado fluminense que já há limitação nos “direitos” dos pequenos partidos. Sim, há. Mas, cada vez mais profícuas, estas siglas tumultuam o funcionamento não apenas do Parlamento, mas do Estado brasileiro.
Não há, entre as democracias mais estáveis e longevas, a profusão de agremiações no Legislativo como vemos por aqui. E não serve como argumento o surgimento de partidos nacionalistas na Europa, pois constituem alternativa massificada de poder.
Não há parto sem dor
Então, os pequenos ideológicos vão acabar? Na forma como existem hoje, sim. Não há reforma sem dor. O mal maior é a procriação nefasta de siglas no Brasil, pois institucionaliza a barganha pecuniária.
“É um preço a se pagar”, concluíram participantes de seminário promovido na última quinta, 17, pela Folha de S. Paulo e FGV (Fundação Getúlio Vargas). “Alguém tem que perder neste processo e o custo tem que compensar”. Cruel, mas realista.
Além disso, a extinção dos partidos de aluguel não vai representar o fim dos que se unem por uma ideia. Mas vai desencorajar os que buscam no cofre esquálido do governo uma forma de bancar gastos pessoais.
Procrastinar este imbróglio vai tornar mais difícil a solução, pois cada vez mais siglas vão ocupar artificialmente os assentos na Câmara e no Senado. E, claro, vão ganhar musculatura para impedir a reforma.
A era da internet é profícua em demonstrar que com criatividade e determinação é possível influenciar as decisões parlamentares fora de um partido. Os movimentos de rua de 2013 influenciaram os destinos da Nação de forma mais efetiva do que um conglomerado de siglas atônitas.
Para isto, valeram-se das redes sociais. Ademais, não é exequível que cada estrato de um mundo multipolarizado constitua um partido com representação legislativa.
As (ainda) grandes siglas, como PT e PSDB, se subdividem em miríades de tendências e interesses. O que as (tornava) torna fortes é um programa mínimo comum. Prosseguir na barafunda partidária hodierna é fincar uma barreira à governabilidade.
Itamar Garcez é jornalista.