A turba bolsonarista parecia apenas maluca quando previa uma virada de mesa no resultado da eleição presidencial. Virou motivo de deboche quando passou a se alimentar com os silêncios e as frases enigmáticas de Jair Bolsonaro, a quem atribuíam os mais variados recados para se manterem mobilizados até o final do jogo, que lhes seria favorável.
O tempo correu, o golpe não veio. Depois do fracasso do Plano A para melar a eleição de Lula, Bolsonaro gravou uma live, no dia 30 de dezembro, para sua despedida antes de sua fuga do país, em que presta conta a sua militância nas redes sociais do seu empenho e fracasso na tentativa de melar a posse de Lula. Ele foi até didático.
— Está prevista a posse agora dia 1º de janeiro. Eu busquei, dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeito à Constituição, saída para isso daí. Se tinha uma alternativa para isso. Se a gente podia questionar uma coisa ou não questionar alguma coisa. Tudo dentro das quatro linhas.
Na sequência, confessou que não conseguiu apoio em nenhuma instituição relevante – Congresso, STF e Forças Armadas, entre outras – para a execução do golpe. Disse ele:
— Agora, muitas vezes, dentro das quatro linhas, você tem que ter apoios. Alguns acham que é “pega a (caneta) Bic, assine, faça isso, faça aquilo” e está tudo resolvido. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro. Até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições.
Mas, depois do ataque terrorista aos Três Poderes da República, e da descoberta da minuta de decreto de Estado Defesa no Tribunal Superior Eleitoral para anular a eleição de Lula e proclamar Bolsonaro vitorioso, o que parecia mais um chororô virou confissão.
Ao mesmo tempo em que procuradores, Polícia Federal e, a partir de fevereiro CPI no Congresso, vão apurar quem planejou, estimulou, organizou e praticou o assalto à Praça dos Três Poderes, é preciso também identificar e ouvir quem, em todas as instituições, convenceu Bolsonaro a não cometer a sandice de assinar o decreto escondido na casa do seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.
Pelo que Bolsonaro confessou em sua derradeira live, ele fez consultas a supostos aliados no Parlamento, no STF e em outras instituições. Quem por ele foi ouvido ou por emissários, tem a obrigação legal e moral de esclarecer os fatos. Sob pena de prevaricação.
Aqui e ali em Brasília, entre pessoas ainda influentes no final do governo Bolsonaro, o cochicho durante sua reclusão no Palácio da Alvorada é que o presidente não tava regulando bem das ideias. o que menos importa são os delírios dele. Mas, sim, como esse comportamento estimulou a barbárie o ocorrida no domingo, 8, nos palácios na Praça dos Três Poderes.
Depois de muita inação, a Procuradoria-Geral da República, chefiada por Augusto Aras, pediu a inclusão de Bolsonaro entre os que incitaram o badernaço em Brasília. O ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido e incluiu Bolsonaro entre os investigados por ‘autoria intelectual” pelo vandalismo na Praça dos Três Poderes. Algumas investigações podem ajudar a dinamizar essa apuração. É preciso, além de ouvir Anderson Torres e outros investigados, inclusive assessores palacianos, levantar como Bolsonaro foi convencido ou forçado a recuar na tentativa do tal golpe dentro das quatro linhas. E por quem?
A conferir.