Não há regime democrático se ao governo não se contrapuser vigorosa e leal oposição. Ditaduras, como Cuba, não toleram opositores e fazem de tudo para neutralizá-los.
Implantada em 10 de novembro de 1937, a ditadura do Estado Novo emudeceu a imprensa e manteve em recesso o Poder Legislativo, até cair em 29 de outubro de 1945. O Regime Militar (1964-1985), após extinguir os partidos políticos com o Ato Institucional nº 2, permitiu a criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), fundados e registrados em 1966. A imprensa, mais uma vez, permaneceu submetida a rigorosa censura.
Método sofisticado de neutralização de opositores consiste na técnica de cooptação. Com os meios de que dispõe, o governante procura incorporar as suas hostes o maior número de adversários, oferecendo-lhes ministérios, secretarias, direções de estatais. A melhor forma, contudo, reside na entrega de dinheiro e na abertura à corrupção. Há quem recorra à calúnia e à difamação, como instrumentos de morte civil. A eliminação física do antagonista é recurso extremo e a última das opções. Se a intimidação e a corrupção não surtem efeitos, apela-se para medidas radicais.
Os assassinatos de Celso Daniel, prefeito de Santo André, de Toninho do PT, prefeito de Campinas; de Chico Mendes, e da irmã Dorothy Mae Stang, defensores do meio ambiente; da vereadora e socióloga Marielle Franco; de candidatos a prefeito e de vereadores, de líderes comunitários e indígenas, revelam que o crime político pertence aos nossos usos e costumes.
A ninguém é permitido ignorar os hábitos de Luís Inácio Lula da Silva, e do que é capaz para alcançar os seus objetivos. De auxiliar de torneiro-mecânico a líder sindical, deputado constituinte e vencedor de três eleições para presidente da República, a vertiginosa ascensão é a crônica de fracassos e de vitórias que o levaram do inferno ao paraíso, com direito a prolongado entreato na prisão. Pouco importam as condições que reconduziram Lula ao Palácio do Planalto. São fatos consumados e a vontade do povo deve ser acatada.
Após a transição do regime militar para o Estado Democrático, tivemos nove presidentes da República, três reeleições, duas cassações e a 8ª Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988. Recebida com entusiasmo das mãos do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães, a Lei Fundamental garantiu à Nação embevecida o Estado Democrático “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
Passados 34 anos o balanço é negativo. Nem sequer democracia chegamos a ser. O uso abusivo de emendas constitucionais e de medidas provisórias, o ativismo do Supremo Tribunal Federal, o autoritarismo do Tribunal Superior Eleitoral, a morosidade judicial, o foro privilegiado, o orçamento secreto, a impunidade da pistolagem e da corrupção, assegurada pelo Art. 5º, LVII, são incompatíveis com as garantias previstas no Preâmbulo da Constituição.
À espera de Lula está a crise que se avoluma há mais de 34 anos. Crise latejante na fome de 33 milhões, de 50 milhões na linha da miséria, no desemprego, na informalidade, na desindustrialização, na inflação, na alta do custo de vida, na falta de moradias, de boas escolas e de saneamento básico, no preço dos combustíveis, na desvalorização dos salários, na insegurança jurídica, no Centrão, na necessidade inadiável de nova Constituição. Prolixa e retalhada, mais de uma centena de vezes, a Lei Fundamental se converteu no envelope cujo conteúdo se sujeita a remendos sugeridos por lobistas.
Há reformas inadiáveis como a Reforma Administrativa, a Reforma Tributária, a Reforma Fiscal, a Reforma Trabalhista. Quem as fará e em que sentido caminharão? A política econômica do PT é radicalmente distinta da orientação observada durante o governo Bolsonaro, cujo Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, pertence à escola do liberalismo econômico. Fernando Haddad, até onde se sabe, pensa e age de maneira oposta.
A seu favor Lula contará com a fragmentação dos partidos. No Senado e na Câmara dos Deputados os opositores de imediato enfrentarão a necessidade de encontrar alguém apto a reuni-los, organizá-los e liderá-los, para opor barreiras ao projeto estatizante do governo petista.
“Ao vencido ódio ou compaixão; ao vencedor as batatas”, sentenciou Quincas Borba ao amigo Rubião. Lula recebeu um caminhão de batatas boas e podres. Trate agora de descascá-las.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.