Interessante o nosso país. Homens públicos em países democráticos normalmente são motivo de reconhecimento. Juízes suecos passeiam de bicicleta ou caminham em paz pelas ruas. Aqui, ministros do STF são achincalhados. Mesmo em terras estrangeiras grupos organizados não poupam magistrados de agressões verbais.
Judiciário e juízes deveriam significar Instituição (Poder) e cidadãos respeitáveis. Afinal, como viver a democracia quando não se acredita nos seus homens e nas suas organizações? Com função pública, o agente público não pode ser público sob risco de ser escrachado por onde passe. E como agentes públicos corporificam o Estado, uma imagem negativa de seus funcionários desqualifica e despotencializa o aparato público. A ideia de Justiça é diluída nos achaques cotidianos contra o Poder Judiciário. Aliás, contra os três Poderes. Espera-se dessa deslegitimação um efeito inverso na pirâmide judicial. Não é desproposital a hipótese de constrangimentos públicos para juízes de todas as instâncias. O efeito dominó também poderá atingir políticos e profissionais do direito em geral.
É certo que o famoso seminário em Nova York (novembro de 2022), tendo sete ministros do STF como convidados, parece de fato algo bizarro, pra dizer o mínimo, mas a crítica mais radical à “promiscuidade” do encontro tem lá seus acertos, exageros e erros. Um dos erros é alimentar, no imediato das eleições tensionadas em polarização d’antes desconhecida em nossa história, ressentimentos e desprezo pelo STF. Quem não conhece Conrado Hubner Mendes poderia considerá-lo um jurista bolsonarista. Afinal, neste momento da nossa história o que mais a ultradireita quer, e certa esquerda “revolucionária” quase extinta, é a confirmação histórica, nas várias ordens privadas, da perversidade da democracia liberal.
Daí a ocorrência de um estranho privado, ou vontade particular, que invade e se faz público, um público quase fora da sanção legal, afinal, parece incorporar um avesso direito achado nas ruas nas revoltas dos que perderam as eleições e elegem Alexandre de Moraes e seus pares na Corte Maior, para alimentar uma narrativa em defesa da liberdade contra a fraude eleitoral, uma mentira a mais em tempos de regressão cognitiva.
Ressentimentos e ódios podem extrapolar a esfera particular pela via de robôs em programações algoritimicas de desinformação e indução de comportamentos, invasão de espaços públicos.
Derrotados nas eleições tomam para si as bandeiras contra o que consideram a ordem hoje e fazem movimentos sociais. Chegando nas avenidas, rodovias, praças, quartéis (financiados por empresários birutas), enfim, a espaços públicos, para confrontar juízes ou mesmo políticos de campos políticos adversos. Essa passagem da política para fora de sua linguagem habitual, já extremamente porosa, constituindo a ação política direta, hidratada com divergência zero e muita intolerância.
O esgarçamento do mínimo ético na política dá-se por força do tempo no qual o falso torna-se, por repetição, verdade absoluta. Paralelamente a esse processo de fascização pela via dos recursos digitais, a sociedade civil organizada se movimenta, armada. Milícias, polícias e mesmo o narcotráfico cevados no laboratório do Rio de Janeiro, principalmente, é estruturado como forças em defesa da Pátria, da Família, da Propriedade. Um filme muito velho. Hitler e Mussolini colheram o que plantaram…Retorno à doentia relação público privado em tempos malvados.
“Quando tudo é privatizado você é privado de tudo”, dizia um escrito numa rua de São Paulo. Em curso a privatização de corações e mentes. A consequência maior podia ser a continuidade de um projeto: a de sermos privamos das emoções da fraternidade e do amor, substituídas por seus contrários.
Felizmente, pelo voto, prevaleceu a civilização. As forças da barbárie, contudo, permanecem vivas e com crescimento exponencial.
– Edmundo Lima de Arruda Jr