A escolha está feita. O segundo turno refletiu o desenvolvimento da campanha, como resultado inevitável dos últimos quatro anos. Pelo caminho ficaram políticos vencidos.
Jair Bolsonaro foi eleito por acaso em 2018. Deputado do baixo claro e candidato indicado por partido inexpressivo, mostrou-se incapaz de entender a direção do vento. Cansada do Partido dos Trabalhadores, a população havia acompanhado o julgamento de Luís Inácio Lula da Silva, envolvido pelo Mensalão e na Operação Lava Jato, com dezenas de companheiros de legenda e de empresários, acusados de desvios de dinheiro público.
Para a vitória de Bolsonaro foi fundamental a punhalada sofrida em Juiz de Fora. A tentativa de assassinato de candidato à Presidência da República, no aceso da disputa, provocou irresistível movimento de solidariedade ao capitão hospitalizado em estado grave, incapacitado de dar entrevistas, fazer discursos, participar de debates pelo rádio e televisão.
É impossível negar que a vitória foi recebida com entusiasmo pelo povo exausto de corrupção. Ignorava-se, entretanto, o que pensava do Brasil o novo presidente. Acreditou-se que seria sopro renovador dos péssimos costumes da política, aprofundados nos dois mandatos de Lula e um mandato e meio de Dilma Roussef, deposta por pedaladas fiscais.
A inesperada pandemia do Covid-19 contribuiu, porém, de maneira decisiva para radical mudança do quadro político. As repercussões sociais, econômicas e no mercado de trabalho, atingido em cheio pelo desemprego, exigiam providências rápidas e certeiras. O vírus – que se supõe importado da China – era, e ainda é, desafio para a ciência médica. Nos primeiros meses o Ministério da Saúde se esforçava para entender o que acontecia, e orientar a população no sentido de se preservar da melhor forma possível. Bolsonaro adotou postura negacionista. Contestou a medicina e os melhores infectologistas. Errou e lhe debitaram a responsabilidade por mais de 650 mil mortos.
Foi sob o clima de terror que o presidente da República indicou o caminho aos opositores. Aquele que era uma esperança, se transformou em ameaça e perdeu aliados. Entrou em processo de isolamento cercado pelos filhos, bajuladores, ministros avessos à política e generais da reserva, colocados em cargos de primeiro escalão.
Não é o caso de se radiografar o período 2018-2022. As eleições trazem resultados concretos e definitivos. Na esfera indecifrável da política Lula ressurgiu dos mortos. Coisa que só acontece na América Latina. Lembrem-se de Getúlio Vargas e de Juan Domingo Perón, o demagogo argentino (1895-1974), casado com Eva Perón e Maria Isabelita.
A política é terreno avesso a soluções exóticas. A economia não comporta atalhos. Os próximos anos serão desafiadores. O Brasil está em crise. Embora em queda, o desemprego permanece elevado. Lula não contará com maioria estável e confiável na Câmara e no Senado. Alianças cosidas pela cobiça custam caro e são voláteis. Segundo os usos e costumes, a oposição será implacável. Jair Bolsonaro foi derrotado deixando, como legado político, o bolsonarismo mais robusto do que qualquer partido.
O pêndulo de Arnold Toynbee oscila. Após alcançar a extrema esquerda, iniciará o caminho de volta à direita verde e amarela. A vitória de Lula foi assegurada pelo Norte-Nordeste. Isto resulta na necessidade de enormes investimentos, para acabar com a pobreza e o subdesenvolvimento onde são mais graves. Não bastará o auxílio-emergencial. Retirar 33 milhões de condições desumanas, cobra medidas rápidas e impactantes.
As massas nas ruas, praças e avenidas, e o bloqueio de rodovias por caminhoneiros revoltados, indicam o alto grau de insatisfação provocado pela vitória da esquerda. As posições se invertem. O PT e os partidos de extrema esquerda aliados, experimentarão o gosto amargo e a força da oposição, liderada por inconformado Jair Bolsonaro.
Como no matrimônio, em política a lua de mel é passageira. Seguir-se-ão cobranças e necessidades. O PT e Lula não possuem consistência ideológica. As bases de que dispõem são frágeis e fisiológicas. O presidente dependerá de inevitável aliança com o Centrão. Se retardar o cumprimento das promessas, o bolsonarismo voltará recarregado, preparando-se para 2024 e 2026. Quem viver, verá.
– Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho