Volto ao tema da última semana. Os partidos no Brasil datam da primeira metade do século XIX. Os dois partidos do Império, Liberal e Conservador, de luzias e saquaremas, funcionaram sob o punho autocrático do Poder Moderador. Todas as vantagens do parlamentarismo ficavam nubladas por D. Pedro II quando dissolvia os ministérios não pela vontade da maioria, mas por seu próprio juízo. Foi a advertência que lhe fez Nabuco, que ninguém pode acusar de hostil ao regime.
Na República Velha os partidos eram estaduais e tinham dono — e esses donos repartiam o Poder. Só em 1946 apareceram os partidos nacionais, inicialmente marcados pelo getulismo: a coalizão contrária, a UDN, e os dois partidos por ele construídos, o PTB e o PSD. O Partido Comunista foi logo proibido. João Mangabeira separou o Socialista da UDN. O Republicano de Bernardes e o Libertador de Raul Pilla completavam o quadro das ideias; o PSP, de Ademar de Barros, o das conveniências. Tudo acabou em 1965.
Durante o regime militar os partidos formados artificialmente funcionaram com limitações. No fim, o PMDB tornou-se o maior partido nacional. Tentei construir o PDS como um partido moderno, baseado em democracia interna, mas fui impedido — e minha ida para o PMDB contribuiu para a Aliança Democrática, de Tancredo Neves, viabilizar a transição e fazer a nova Constituição.
Voltamos, no entanto, ao velho modelo dispersivo que se origina no voto proporcional uninominal de 1932. Com essa regra velha e algumas novas regras, os partidos voltaram a ter donos e não precisam ter votos. Temos assim os 32 partidos e muito fisiologismo. São raras as ideias; vagos, quando existem, os programas, e não se pratica a democracia partidária. Regras mínimas de controle são recusadas pelo próprio Parlamento, formado cada vez mais por políticos sem experiência e sem visão do futuro.
Agora mesmo, para compensar a proibição das coligações que davam sobrevida aos minipartidos, inventaram uma lei para permitir federações partidárias que, na prática, são o vale-tudo: os partidos se unem com compromisso de fidelidade por quatro anos, mas já traem com outras alianças estados afora. Soma-se a isto o escândalo das emendas orçamentárias secretas, o gigantismo dos fundos partidários, a redução do controle das contas eleitorais.
O resultado não é o regime político das coalizões — próprio dos sistemas parlamentaristas —, mas o regime das cooptações, do balcão de negócios. A maioria parlamentar não é formada pelo acordo em torno de um programa, de ideias, de ideais, mas pela soma de interesses pessoais, paroquiais, corporativos. O governo se torna um conglomerado de ações dispersas e contraditórias.
É urgente um novo sistema partidário. Para isso precisamos do voto distrital misto, com listas partidárias. É essencial a democracia interna dos partidos, com direções eleitas, ao invés das eternas comissões provisórias.
A democracia só funciona com um parlamento de quatro ou cinco partidos, legítimos, programáticos, com representatividade. O nosso sistema corrói o sistema democrático e corrompe a vida pública. Assim, o sistema de partidos está partido, quebrado e servindo para diminuir a política.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras