“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi o cântico entoado pelos fanáticos de Bolsonaro para catequizar o voto dos religiosos, notadamente dos evangélicos, estratégicos para suplantar Fernando Haddad, candidato que substituiu Lula após o sacrifício executado por Sérgio Moro. Ao cunhar o slogan, Bolsonaro recorreu aos manuscritos nazistas de propaganda: vincular a ambição terrena pelo poder ao chamamento divino. Um ofendido Adolf Hitler, em abril de 1939, doutrinou sobre esse estratagema ao responder aos 21 pontos da carta do presidente dos EUA, Franklin Roosevelt. FDR cobrava compromissos da Alemanha de não agressão contra 31 países para evitar a grande guerra. As mentiras irônicas do “führer” aos deputados alemães em um longo discurso, falsamente pacifista, reforçaram dois atributos da besta genocida: a dissimulação e o messianismo. O tom do pronunciamento foi deliberadamente autopromocional e etéreo: “Eu me considero um chamado pela Providência para servir somente ao meu povo e livrá-lo de sua terrível miséria…Pois o meu mundo, senhor presidente (FDR), é aquele para o qual a Providência me designou e para o qual é meu dever trabalhar”. Na mesma encíclica demoníaca, Hitler também se vangloriava por armar a população e, 5 meses depois, invadiu a Polônia. O ‘mito’ alemão mentia sobre os planos de guerra e camuflava sua tirania sob a falsa investidura sagrada.
O bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, encarnou o marketing nazista mesclando os sentimentos da trindade Deus, pátria e família, prece recorrente entre os tiranos que ambicionam se eternizar no poder. O bolsonarismo agregou ainda o trecho do hino alemão mais celebrado pelos nazistas. Durante Terceiro Reich a primeira estrofe da letra de uma canção nativa (“Deutschland über alles”, Alemanha acima de tudo) era usada como hino nacional, sempre seguida do hino do Partido Nacional-Socialista. Completa a comunhão infernal entre os dois tiranos os egos explosivos, o belicismo, a psicopatia, a intolerância, os preconceitos, a tirania, a manipulação e o vitimismo de uma eterna paranoia conspiratória, pela qual todos os perseguem para destroná-los. Há ainda dogmas similares usados na administração de ambos: deslegitimar os poderes, terceirizar o fracasso, hostilizar a imprensa, mentir como método, cultuar a morte, armar a população, militarizar os cargos públicos civis e disseminar o ódio contra as minorias, adversários, pensadores, escritores e academia com objetivo de demonizar o conhecimento.
O capitão vem professando diabolicamente esse evangelho nazista. Na prática é benfeitor dos salteadores, pastor dos malfeitores, preceptor dos infames, idólatra de ditadores sanguinários, vigário do caos, professante das rupturas, blasfemador da democracia, clérigo dos cavernícolas, sacerdote da morte, cardeal da mentira, pontífice da estupidez e messias dos degenerados. Nos templos da miséria, da mentira, da morte, da milícia, da malversação, dos maus militares, da mamata, do golpismo e do secretismo benzeram-se muitos pentecostais, seja como ministros formais, assessores secretos ou conselheiros das sombras, a maioria deles camuflada em estruturas clandestinas do Estado, teoricamente imperceptíveis à fiscalização dos demais poderes, das agências ou autoridades policiais, já que não produzem manifestações formais. No Brasil o resultado do apelo divino gerou uma forte aderência dos votos dos religiosos que apresentaram a fatura maligna da seita, a alma podre do bolsonarismo. Conhecidos pelas sedes suntuosas, sacolas de dinheiro e o despudor na cobrança do dízimo, os evangélicos se tornaram estratégicos no pleito, protagonistas da gestão, mas também custaram muito caro a Bolsonaro. O rabo do diabo apareceu nos maiores escândalos de corrupção até aqui.
O pastor evangélico Milton Ribeiro foi abençoado no Ministério da Educação – terra maldita no bolsonarismo – por Michelle Bolsonaro. Ungido pela benção da matriarca na prelazia ministerial, revelou-se um devoto de cultos pecaminosos com o dinheiro da sacristia pública, priorizando recursos a poucos eleitos em razão da servidão ao bezerro de ouro. Um culto macabro iluminou pastores que extorquiam muito além do dízimo e profanaram mais uma vez a hóstia do orçamento público, restringindo-o aos fiéis do bolsonarismo, inclusive os missionários indicados pelo próprio capelão da legião. Em uma confissão, o prefeito da cidade de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, admitiu que o pastor Arilton Moura, do gabinete paralelo na Educação, fixou um dízimo de R$ 15 mil antecipados para abençoar as súplicas da sua cidade junto a diocese ministerial. Pediu também a caridade de um quilo de ouro após a liberação dos recursos para construção de escolas e creches. Outros prefeitos se ajoelharam na mesma catedral do crime. Afinal, é dando que se recebe.
Pilhado em uma pregação profana, descoberta e divulgada pela imprensa, o então pontífice da Educação, Milton Ribeiro, apareceu em heresias constitucionais favorecendo as prefeituras fidelizadas a dois pastores que atuavam como uma ordem religiosa secreta para operar o milagre das verbas. Segundo a confissão do ministro, essa era um mandamento do próprio Jair Bolsonaro. “Foi um pedido especial que o Presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar”, disse o ministro em um confessionário que imaginava secreto. Esconjurou a impessoalidade, a economicidade e transparência dos cânones constitucionais. Ribeiro confessou o pecado com os lobistas da pastoral da má-fé e inicialmente inocentou Jair Bolsonaro. O missionário Milton Ribeiro foi preso e donativos delinquentes dos pastores da abadia paralela foram encontrados em contas bancárias da família do ex-ministro, além de outros depósitos, viagens e 10 coincidências de hospedagens do bando no mesmo hotel em Brasília. É a providência divina operando sua parte no milagre.
Apesar de tentar expiar Bolsonaro, o falso beato Milton Ribeiro foi flagrado em um telefonema com a filha: “Hoje o presidente me ligou? Ele tá com um pressentimento novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe?”, conta o ex-ministro. Ele (Bolsonaro) acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa.” Os abençoados pela graça, e agora no índex da corrupção, foram os pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura Correia. A celebração com os fariseus configura muitos pecados. Entre eles prevaricação, corrupção, advocacia administrativa e tráfico de influência. Flávio Bolsonaro, papa do chocolate e alquimista imobiliário, já fez orações em louvor ao mesmo Gilmar Silva. Um pedido de CPI foi protocolado e o calvário dessas almas está apenas no início. Há vastos indícios de crimes, além da tentativa de obstrução da Justiça. Bolsonaro mostra que segue rezando pela bíblia hitlerista para abençoar a polícia política, a sua Gestapo, apesar de atribuir suas profecias ao “pressentimento”, uma dádiva da Providência.
Antes das trevas do Arilton no MEC, na escuridão da Saúde reinava Amilton, outro evangélico endiabrado. Em 2021, o Brasil conheceu outro santo do pau oco que aplicava o conto do vigário nas vacinas contra Covid-19. Amilton Gomes de Paula é pastor evangélico formado na Assembleia de Deus. O missionário se apresentava como representante de várias instituições e nenhuma o reconhece como seu professante. Presidente de uma ONG registrada na área da educação e produção cinematográfica negociava vacinas com mesma liturgia cínica testemunhada na Educação e tinha as portas abertas no paradisíaco Ministério da Saúde. Amilton de Paula é bolsonarista de batismo. Em seu depoimento à CPI da Pandemia do Senado Federal tentou proteger o ídolo nas tentativas de roubar a sacristia da Saúde. O sacrilégio era o da cobrança de US$ 1 de propina por dose de vacinas da AstraZeneca. Teve ao menos três encontros com os alguns capetinhas do Ministério, nos quais foram ofertadas 400 milhões de doses de vacina contra Covid-19. Amilton de Paula era o intermediador da Davati Medical Suplly, que dizia ter condições de ofertar os imunizantes da AstraZeneca e da Pfizer. Na prática era só vigarice.
Entre janeiro de 2019 e abril de 2021 Amilton foi filiado ao PSL em Brasília, o partido pelo qual Bolsonaro se elegeu. Diante de documentos obtidos após as quebras de sigilos telemáticos de outros investigados, o reverendo ainda admitiu ter cometido o pecado do perjúrio e que bravateou em ao menos duas ocasiões. Em uma delas confidenciou a um de seus irmãos de desvio, Luiz Paulo Dominghetti, que a primeira-dama Michelle Bolsonaro o ajudaria na tramoia dos imunizantes. “Michelle entrou no circuito”, dizia uma mensagem enviada pelo reverendo a Dominghetti. Na outra, enviada no dia 16 de março de 2021, afirmou que teria conversado com quem mandava na congregação governista. “Ontem falei com quem manda. Tudo certo. Estão fazendo uma corrida ‘compliance’ da informação da grande quantidade de vacinas”. No dia 15 de março, o endiabrado Dominghetti contou a uma terceira pessoa que Amilton havia se encontrado com Bolsonaro. “O reverendo, nesse momento, está com o 01”. Na CPI, o religioso se mostrou contrito. “É, isso aí foi uma bravata”. Dominghetti também conseguiu uma agenda quase instantânea professando sua fé pelos botequins de Brasília. Na capital do país os milagres se multiplicam como peixes e não há mais pecados capitais.
Michelle Bolsonaro, madrinha de crisma de Milton Ribeiro no MEC e citada na vigarice da AstraZeneca por Amilton de Paula, é uma evangélica fervorosa, com transes mediúnicos, poliglota de termos ininteligíveis e com um poder sobrenatural. Ela afirmou que Deus irá provar a santidade de Ribeiro, sabe-se lá como. Michelle Bolsonaro, invocada para catequizar o voto feminino em favor do marido, recebeu em sua conta bancária R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro, preso em 2020 pelos milagres das rachadinhas que ergueram um altar da suntuosidade em uma mansão no coração de Brasília. Indagado sobre a origem e razões do donativo, o capelão-capitão praguejou e ameaçou socar o jornalista bisbilhoteiro: “Minha vontade é encher tua boca na porrada. Seu safado”. Mas a mistério da aparição dos R$ 89 mil continua sem resposta. Os parentes da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também estão familiarizados com a vida pecaminosa e a falsa moral. A avó, falecida, foi presa por tráfico. A mãe respondeu por falsificação de documentos e o tio João Batista Firmo Ferreira foi sentenciado a 10 anos por integrar uma milícia que vendia lotes ilegais em Brasília. Um santuário do crime.
Outro evangélico que evoca Deus com agressividade satânica, se comporta com um prior da legião bolsonarista. A solidariedade impressiona pela devoção messiânica. Silas Malafaia se apressou em socorrer as ovelhas sacrificadas no rebanho da rapinagem do MEC. Em vídeo publicado nas redes sociais, Malafaia disse “não ver qualquer envolvimento de Jair Bolsonaro no caso” e pediu para que seja realizada uma “investigação profunda” contra os pastores citados na operação. Segundo Malafaia, ele próprio tem “moral” para falar nessa missa macabra. Deve ter. O mesmo fervor já foi usado antes em pregações golpistas. Em 6 de agosto de 2021, Malafaia ocupou o púlpito das redes sociais para exortar Bolsonaro a intervir no STF. O pastor bolsonarista disse que os ministros do STF são ‘tiranos’ por investigar o presidente e que a ‘intervenção militar’ seria a única maneira de acabar com a “ditadura da toga”. Repetiu a mesma liturgia sombria em junho de 2020: “FORÇAS ARMADAS CONTRA ESSE DITADOR DA TOGA! Artigo 142 da CF contra esse absurdo! O apoio da imprensa a essa safadeza de Alexandre de Moraes, querem derrubar Bolsonaro porque perderam bilhões, o silêncio de Davi Alcolumbre, Rodrigo Maia e o presidente da OAB. VERGONHA TOTAL!”.
No coral golpista de 7 de setembro de 2021, o louvor evangélico chegou na semana anterior. O pastor Malafaia convocou os fiéis a engrossar a procissão autoritária que malogrou depois do rarefeito apoio, pouco mais de 200 mil fiéis em Brasília e São Paulo. Os salmos recentes da tirania, a reedição da marcha com Deus pela família, fracassaram. Uma foi cancelada por falta de devotos em 1 de maio e a segunda mobilizou poucos fiéis em Santa Catarina. Bolsonarista terrivelmente evangélico, o pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC, e seus dois filhos, Filipe Pereira e Laércio Pereira, foram presos em agosto de 2020 na Operação Tris in Idem, que também culminou no exorcismo do cargo e posterior impeachment do ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, eleito com Bolsonaro, Jair e Flávio, os Bórgias tupiniquins. O pastor foi citado na delação premiada do ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, por conta da ascendência dele no Palácio Guanabara, e preso por corrupção. Segundo o índex da corrupção carioca, era o pastor Everaldo o profeta da saúde do Rio de Janeiro. Preso por suspeita de corrupção, é mais um do grupo da sacralidade de fachada, cujos segredos do confessionário, expostos, revelam comportamentos diabólicos.
A ex-deputada Flordelis, bolsonarista e evangélica, está recolhida na clausura. Ela foi presa 48 horas depois de ser excomungada do paraíso do foro privilegiado da Câmara dos Deputados. Ao deixar a residência, a ex-deputada carregava uma Bíblia e repetia a seus familiares: “Amo vocês, fé em Deus”. Flordelis é acusada de ser a mandante da morte do então marido, o pastor Anderson, assassinado na porta de casa em 18 de junho de 2019. Ela responde por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima – tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. É santo da casa, da casa tenebrosa do bolsonarismo. O ex-líder de Bolsonaro, Francisco Rodrigues, foi flagrado ocultando perto de R$ 30 mil na cueca. Depois de uma penitência de 121 dias, Chico Rodrigues voltou ao mandato no Senado anunciando que carregará para sempre as “chagas dessa excruciante provação”. Enxergou na desonra a mão divina: “Entendo que se Deus e o destino me aproximaram da profundidade e da intensidade dessa dor, através de toda essa indescritível vergonha, é para que eu pudesse me aproximar também mais dos sofrimentos alheios, para que aumentasse minha empatia para com os que sofrem dores muito maiores, para entender os que são açoitados por injustiças ainda mais implacáveis”, disse o senador em feitio de oração.
O ex-procurador Deltan Dallagnol também engrossa a procissão dos evangélicos fervorosos. Não passa de outro falso profeta que inaugurou nossa descida para uma estação no inferno ao fazer um pacto mefistofélico com Sérgio Moro, o demônio da toga que expôs as trevas do sistema judicial. Delta, como é chamado pelos adoradores, acumula riquezas, persegue inocentes e abusa das referências bíblicas para expiar suas profanações. É a expressão da Inquisição reencarnada já condenado na justiça por suas vítimas, por desvios no MP e, só agora, se declara eleitor confesso de Bolsonaro. Em sua filiação partidária, também invocou a palavra de Deus, em vão: “Combater a corrupção é defender os princípios éticos e morais da Bíblia e da maioria das religiões que nos orientam a cuidar dos mais vulneráveis. O combate à corrupção foi a causa com que Deus me chamou para servir a sociedade e cuidar dos vulneráveis”. Com a mesma cara de pau mandaria para a fogueira Madre Teresa de Calcutá, São Francisco de Assis e Martinho Lutero. Selma Arruda e Fernando Francischini, senadora e deputado eleitos sob a falsa beatitude do Bolsonarismo, foram desalojados dos mandatos pelo TSE e engrossam os abandonados pelo manto profano. Nenhum deles, assim como Roberto Jefferson, conseguiu a benevolência de Bolsonaro como o indultado Daniel Silveira.
As profanações do flagelo bolsonarista são irremissíveis. Administrativamente o projeto foi apocalíptico. Tudo está em ruínas na educação, meio ambiente, economia, relações internacionais, cultura, turismo, segurança. No plano institucional o chefe da Nação prega quarteladas, desafia os poderes, decisões judiciais, ameaça o STF, o Congresso e baixa segredos seculares sobre tudo que possa comprometê-lo. Estimula ainda forças paraestatais, como as milícias, ministérios paralelos e arma a população. No purgatório político, açoitado pelos pedidos de impeachment, fez uma comunhão satânica com centrão e criou a maior excrescência da história: o orçamento secreto que é a privatização do dinheiro público. O PGR Augusto Aras não pode negar, como Pedro, as queixas-crimes do STF contra Bolsonaro pelas delinquências no MEC. Até aqui está genuflexo diante da devassidão ética, moral, política e institucional com a inação dos possuídos, que a tudo redime ou ignora. ‘Dizi-mo’ com quem andas…